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Melhor lugar

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Melhor lugar

Se fosse por mim/Eu ficava/Mas vê como tudo lá fora mudou/O tempo passou/Feito um louco/Quebrando as vidraças/E a gente ficou/Aqui, sem ter nem pra onde ir/por medo ou preguiça/Aqui, ilhados por nós/Sequer rastreados por nenhum radar/Aqui parecia ser o melhor lugar/Quem disse que a gente precisa/Perder um ao outro pra se encontrar/Se nada nos prende ao passado/Não é o futuro que vai separar/Enfim, encosta seu barco em mim/Que o sol já se pôs/A sós/O mundo termina/Na fina fronteira dos nossos lençóis/Em nós /Espalham-se os laços/Desfazem-se os nós/Sonhamos paisagens/ compramos passagem/E nunca voamos pra lá/Enfim, passeia tua boca em mim/ Até me calar/Aqui ainda parece o melhor lugar.

“O futuro não é mais como era antigamente”. A frase é do filósofo Paul Valéry, mas roda o Brasil na boca de Renato Russo. Dita ou cantada, o que essa frase desperta em nós é a constatação de que as coisas mudam, as mudas viram árvores, os ventos pegam outros caminhos e a vida vem e não pede licença.

Em meio a um turbilhão de acontecimentos dinâmicos, o que buscamos é simplesmente o conforto. Por mais que hoje a vida seja pá, pim, pum, num videogame psicodélico, por mais que mudemos nosso status do WhatsApp todos os dias para dar conta dessa movência e se manter antenados com o espírito desse tempo fugaz, o que queremos mesmo é um lugar para descansar do peso do dia e um bom prato de bons acontecimentos para nos alimentar a fome do cotidiano. No fundo, no fundo, o que se quer de fato é uma pessoa que seja tudo isso: que seja o conforto, que seja o alimento, que seja o amor, que seja o lugar.

Passamos a vida tentando e temos de tentar porque a nossa vocação é ser feliz. Damos cabeçadas e dão cabeçadas na gente. Mas o ser humano, como as araras, são seres de pares. Podem até voar em bandos eventualmente, mas, mesmo em bandos, voam uma do lado da outra, de seu par, de seu duplo. Aí, quando a gente acha… véi, na boa… a vida não tem pra ninguém…

É tão bom ter alguém. É tão bom dividir e, na divisão, multiplicar. Sim, porque a pessoa que a gente acha, nosso melhor lugar, subverte a matemática, inverte a lógica, rasga a sisudez da gramática com sua poesia particular. Entrelaçar dedos e vidas e segurar as mãos literal e metaforicamente potencializam as forças para encarar de frente, com pleonasmo enfático, as chuvas e tempestades da vida. E às vezes o tempo passa, feito um louco, quebrando as vidraças. Depois que passa, a gente constata que a gente ficou aqui, no nosso canto. Molhados talvez. Por causa das turbulências, telhados voam, paredes descascam, portas empenam. Mas a gente vai levando.

Ficamos atônitos com as pancadas vez por outra. Mas ficamos. Segunda pessoa do plural que somos. Depois de nossas tempestades, dá medo, sim. Sim, dá medo. Às vezes, olhando no chão da vida os cacos das coisas que se quebram, dá preguiça de juntar, sim. Sim, dá preguiça. Nesse espaço de tempo em hiato, ficamos ilhados por nós mesmos. Mas seguimos. Seguimos porque só gosta da gente quem insiste em ficar em nossas vidas.

Quem não é nós não entende muita coisa. Não entende o nosso tempo, não entende as nossas manias, não entende os nossos olhares, não compreende os nossos sentidos, tão nossos. Códigos tecidos pela vida construída a cada segundo, desde aquela primeira palavra trocada que nos conectou com a magia que a linguagem asperge sobre os enamorados. Voamos em nossa frequência particular longe dos radares curiosos do mundo. Ah, o mundo que gosta de interferir em tudo, ligando seu celular em pleno voo.

Sem radares, a gente se acha, a gente se encontra sempre. E se acha porque nunca se perdeu um do outro. Brigas, tristezas eventuais, decepções por pisadas de bola? Quem nunca? São essas tempestades que nos fazem reforçar as paredes do afeto. Para quem ama, reconstruir é sempre a primeira opção. O passado é algo abstrato demais já, perdido lá atrás. Não temos como mexer nele. São registros de um tempo bom ou ruim que, como se estivem num museu, servem apenas para ser observados, mas nunca tocados. O futuro é algo abstrato demais, que não existe ainda. Como o passado, o futuro não pode ser mais importante do que o presente. É no presente que se vive. É no minuto que a vida acontece. E precisa acontecer de forma potente. Porque chega o fim da tarde, chega o pôr do sol e se ouve o Bolero de Ravel.

Enfim, é preciso encostar o nosso barco no píer do amor que se tem. O sol já se pôs. Voltar para a casa, esquecer do mundo porque o mundo termina na fina fronteira dos lençóis da nossa cama, do nosso espaço tão nosso. Em nós, espalham-se os laços, desfazem-se os nós. É a dois que sonhamos paisagens. É a dois, na cumplicidade, que compramos passagens para lugares que nem existem, a não ser aqui, pra gente. O melhor passeio é o da boca da pessoa em nós, essa pessoa que se encaixa em nossa vida e em nosso corpo, passeio da boca que nos faz calar e do corpo que nos fazer gemer. É olhando para essa pessoa, em silêncio, sorrindo, que a gente pode dizer com a certeza mais que absoluta, como diz a juventude para avaliar: melhor lugar. E é.

Andando em silêncio

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Para os que ainda amam e precisam lutar pelo amor.

Eu às vezes paro e pergunto à lua/Meu amor, por que você não vem/Eu preciso tanto ter você por perto/Pra esquecer de vez a solidão/As palavras vagam noite adentro/Não há noite não há nada, é só você/Não adianta o amor se derramar em prantos/Revelando um novo escândalo/Não servirá…Falta pouco tempo para um novo século/ E o que fizemos quase se perdeu/Da janela vejo quase tudo/À espera de um sorriso igual ao seu/Você é meu silêncio/Meu maior segredo/Tudo aquilo que escondo de mim/Pra não te ver chorar…

Há dias em que paramos para olhar o céu e se perguntar sobre a vida. Que rumos distintos daqueles rabiscados no guardanapo de papel tomaram aqueles nossos planos, não é?  Onde estávamos com a cabeça quando deixamos de lado aqueles sorrisos ainda impressos em nossas fotos daquele tempo que, que coisa!, eram tão bons? Cada descoberta, cada alegria, cada frio na barriga. O primeiro olhar, o beijo que nos laçou naquele sentimento que juramos para sempre. O chegar de mansinho com medo de pisar em falso… Que é deles?

Inevitável, no meio do corre-corre, colocar a vida em ponto-morto e perguntar à lua, que, aliás, anda linda, por que você não vem mais. Fico parado na esquina do meu pensamento desejando que tudo aquilo que aconteceu e que levou você de mim não passe de um pesadelo. Tudo vai sumir ao meu abrir de olhos no dia seguinte, dando aquele alívio leve que o acordar traz depois de uma noite ruim. Meu desejo… Sem você, engraçado, minhas noites têm sido ruins. Meu pensamento é meu lugar mais seguro, porque fora dele eu estou só. E eu preciso ter você por perto para esquecer a solidão. Você me enchia a vida. Hoje a presença da tua ausência me sufoca, me rouba os ares, me desconcentra. Vou perdendo o rumo porque você era a minha bússola, a minha nau, o meu marujo, o meu rum, o meu porto. Quando você foi, perdi o meu mapa, meu mar e minha terra firme. Quando deixei você ir, eu queimei meus navios.

Preencho, em vão, os buracos que você deixou com coisas mil. Alegrias chinesas que quebram ao menor choque com o real. Eu me engano no ritmo alucinante para fugir da alucinação da certeza da sua falta em mim. Mas agora estou gritando para o mundo: você me faz falta. Uma falta imensa. Doída. Lancinante. Era você e eu deixei ir. Fraquejei. Errei no cálculo. Qualquer lugar sem você é só mais um deserto. Eu, sedento de nós, na areia quente. Onde o oásis do seu corpo? Onde o remanso da sua companhia? Onde você? Queria de novo saber do teu cotidiano, que eu perdi…

Minha cabeça é invadida de palavras. Minhas, me questionando sobre minhas decisões;  suas, me trazendo momentos tão nossos, como nossa música, as nossas manias, os nossos apelidos secretos, a nossa história. Aquela noite especial? Aquela loucura de amor? Lembra? A lua olha e me ouve. E as palavras vagam noite a dentro. Perco o prumo, a referência, as vontades. Não há noite, não há nada. É só você.

O que que eu faço? Vou atrás de você? Você me quer ainda? Você pensa como eu penso? Você chora como eu choro? Porque eu choro com saudades da gente sem que ninguém saiba. Ninguém sabe. Só eu. – Puxa! Eu gostava tanto da gente junto… – Eu me fiz de forte  quando você foi. Hoje confesso: fiquei um trapo. Essas quatro paredes do meu quarto estão cada vez mais se fechando sobre mim. Você está em cada canto da casa, entrelaçada à minha sorte. Por que eu não disse as coisas que eu pensei em dizer? Podia até gritar como um dia gritei para que todos ouvissem. Que bobagem a minha achar que iam me considerar um fraco por voltar atrás sem mesmo ter ido! E quem tinha a ver com isso, senão eu e você? Como eu pude deixar você ir?… Agora, eu posso gritar, me derramar em prantos, fazer um escândalo… Não servirá. Você não está por perto.

Da janela eu vejo quase tudo. Fico à espera de um sorriso igual ao seu. Que não virá. Quero um cheiro igual ao seu. Que não existe. Querer você de volta é algo que não consigo falar, muito menos gritar, apesar do desejo estar alucinadamente frenético dentro do meu peito. Você é meu silêncio. Meu maior segredo. Ninguém sabe. Só eu. Vão passar anos, anos e ainda vou amar você.

Uma cigana me disse que você foi o amor da minha vida. Ela me disse também que o fim do mundo é a gente que faz. O fim do mundo é o horizonte. Sabe… eu preciso ser feliz. E eu só vou ser feliz com você. Hoje eu sei. Por você, para lhe ter a sorrir seu sorriso para mim, eu irei até o fim do mundo e se preciso for mais longe e mais longe. Preciso me despir das vergonhas, dos julgamentos, do medo. Preciso deixar para traz os temores, a ansiedade, a falsa alegria que engana a tristeza. Preciso me jogar na reconquista como os navegadores do Século XVI.

Existem provas vivas de que a gente se amou. Você sabe. Não, não há tempo certo para ser feliz. Todo o tempo é tempo de felicidade. A demora  só faz o caminho ficar mais pedregoso. Mas mesmo com uma pedra no meio do caminho, eu vou. Porque há sempre um tempo para quem se perdeu ter nova chance de se encontrar. Eu quero você de volta. Sem você, eu tenho andado em silêncio.

O açúcar é doce, o sal é salgado

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O mundo é pequeno pra caramba/Tem alemão, italiano, italiana/O mundo, filé à milanesa/Tem coreano, japonês, japonesa…/O mundo é uma salada russa/Tem nego da Pérsia/Tem nego da Prússia/O mundo é uma esfiha de carne/Tem nego do Zâmbia/Tem nego do Zaire…/O mundo é azul lá de cima/O mundo é vermelho na China/O mundo tá muito gripado/Açúcar é doce/O sal é salgado…/O mundo caquinho de vidro/Tá cego do olho/Tá surdo do ouvido/O mundo tá muito doente/O homem que mata/O homem que mente…/Por que você me trata mal?Se eu te trato bem!/Por que você me faz o mal?/Se eu só te faço bem!…/ Todos somos filhos de Deus/Todos somos filhos de Deus/Só não falamos/As mesmas línguas…/Everybody filhos de God/Everybody filhos de God/Só não falamos/As mesmas línguas…/Everybody filhos de Gandhi/Everybody filhos de Gandhi/Só não falamos/As mesmas línguas…

Já diziam os antigos filósofos gregos que a virtude está no meio. Eu respeito muito os filósofos gregos. Assim como respeito os velhos e sábios provérbios chineses. A propósito, há um velho e sábio provérbio chinês que diz que “a fruta madura não é a verde nem a podre”. Simplicidade de ideias. Sonho de consumo de quem escreve.

O ponto tanto dos filósofos quanto dos chineses é o mesmo: a vida precisa de equilíbrio. O desequilíbrio ferra tudo. O corpo precisa de equilíbrio e seu desequilíbrio é a doença. O amor precisa de equilíbrio e seu desequilíbrio é a crise. O bolso precisa de equilíbrio e seu desequilíbrio é a falência. A fé precisa de equilíbrio e seu desequilíbrio é o fanatismo. O humor precisa de equilíbrio e seu desequilíbrio é o preconceito. Se há o meio, há sempre os dois lados.

Por um lado, a vida é feita das preocupações sociais. Não podemos esquecer da crise do Euro, CPI do Cachoeira, Mensalão petista, Privataria tucana, Belomonte, Código Florestal, Adote um Bichinho Coitado, das liberdades das práticas religiosas que oprimem. É enriquecedor apreciar o cinema alternativo do Canal Brasil, a música metafórica de Chico Buarque, a bem-cuidada literatura de Milton Hatoum e dos clássicos russos Dostoievsky e Tostoi. Como são lindos os quadros retratando o feminino de Modigliani. Ainda que não saibamos, cada uma dessas coisas faz parte de nossas vidas, uma vez que vivemos em um mundo enredado em que o bater das asas de um borboleta na Indonésia tem efeitos no clima do Brasil, como nos ensina a teoria d’O Efeito Borboleta de Edward Lorenz. Seu “capital simbólico”, um conceito de Bourdieu, aumenta se você conhecer a teoria de Lorenz. E a teoria de Bourdieu, claro.  Precisamos mais do que nunca estar antenados para tudo isso aí de cima, conhecendo a história humana e ampliando nosso espaço de circulação cultural.

Mas a vida tem um outro lado. Se ela é feita das necessárias preocupações sociais, ela exige para seu equilíbrio um lado mais leve, o lado do lúdico. A vida é feita também de humor, de alegria. “O que que um gás disse pro outro? Vamos vazar!” Eu achei isso muito engraçado.  É do Patati & Patatá, que me lembram o humor direto, básico e politicamente incorreto d’Os Trapalhões de quando eu era criança. É legal pegar uma roupa de boneca,  vestir o Manolo, meu gato, e postar a foto engraçada no Facebook. Ele é nosso gatinho, brincamos com ele, o amamos de paixão e isso não fere “o direito dos animais”, como às vezes uns azedos comentam. É fundamental respeitar quem encontra em Deus e na religião o seu refúgio e seu bálsamo. A intolerância religiosa se refere inclusive àqueles que não têm religião em relação aos que têm. Deixa o cara rezar! Se ele enche sua timeline de post religiosos que lhe incomodam, bloqueie ou deixe de seguir suas postagens. A não ser que você curta um masoquismo. Sinceramente, eu acho que é bom demais cantar aquela música grudenta das empreguetes da novela, ler vez por outra Paulo Coelho com sua literatura de autoajuda, que vende e que, por isso, incomoda muita gente. Eu penso que é inveja pura do Mago. E os grafittis de rua? Cada coisa mais linda… Quem foi para o Roça d’A Fazenda? E para o paredão do Big Brother? Sim, a vida tem suas horas de Djavan. Mas a vida também  é feita de  tchu, de tcha, de tchu tcha tcha tchu tchu tcha, tchu tcha tcha tchu tchu tcha. É feita de videocassetadas, de jogar gelinho, de chorar de rir de piada tosca e politicamente incorreta com os amigos na mesa de bar.  A vida precisa de tosquices. A tosquice tem um caráter balanceador na sanidade das pessoas. Eu tenho medo das pessoas que não se permitem curtir tosquices.

Antes que cheguem e-mails e comentários cabeças me xingando, um aviso: não estou dizendo que as pessoas devam curtir uma coisa ou outra, seja na linha do papo-cabeça ou da cultura pop. São exemplos apenas. O que estou sustentando – e este é o assunto desse texto – é que a vida precisa de equilíbrio. Em vez do Chico, Beto Guedes. No lugar da Big Brother, JackAss. Sei lá. Que cada que um ache os seus. É o tchiiiii da panela de pressão de cada um que precisa funcionar, senão ela explode. Gente sem equilíbrio é azeda ou é fanática. Ou as duas coisas. De qualquer forma, é sempre insuportável. As pessoas precisam de açúcar e de sal.

O mundo é uma salada russa. O mundo é azul lá de cima. O mundo é vermelho na China. O mundo tá muito gripado. O açúcar é doce, o sal é salgado.

Jogando o gelinho

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Eu cheguei, eu comecei agitar/Vi a galera com o braço pro ar/com o DJ fazendo o povo dançar/Eu vi , aquela menina passar/com o corpinho pra se apaixonar/fiquei jogando gelo pra ela me olhar/Eu vi, ela passando eu vi,Ela dançando eu fiquei só/Jogando gelo/ Vai Vai Vai eu jogo um gelinho/vai vai /Eu quero um beijinho/vai vai Eu quero um amor/Vai Vai Vai eu jogo um gelinho/Vai Vai Eu quero um beijinho/Vai Vai eu quero um alô/Eu vi, ela passando eu vi, Ela dançando eu fiquei só jogando gelo…

O mundo gira e a Lusitana roda. Se você tem menos de trinta anos talvez não entenda a frase, que veio da publicidade. Lusitana é uma empresa de transportes. A frase se tornou popular com o significado de que “o mundo dá voltas”, “a vida segue”, “os tempos mudam”, em um daqueles lances da publicidade que grudam e se incorporam na cultura brasileira. Como tudo na linguagem, expressões são assim, dinâmicas. Vêm, vão, apagam-se as histórias e a memória que as criaram. Eu gosto da memória.

Em geral, as pessoas têm a tendência de tratar com carinho o passado. Sou um nostálgico. Amei “Meia-noite em Paris”, do Woddy Allen, para você ter uma ideia do que estou falando. Acabo de curtir e compartilhar no Facebook uma foto da primeira versão do Sítio do Pica-Pau Amarelo. Marmelada de banana, bananada de goiaba, goiabada de marmelo. É gostoso evocar um tempo de felicidade. Cada um de nós tem seu álbum de memória afetiva, com seus Sítios, Menudos, He-mans e Barbapapas. Mas a vida não é feita só do passado. Ela é feita do presente, que, não esqueçamos, depois vira passado.

Se por um lado sou um nostálgico assumido, por outro sou um curioso pela vida que se apresenta. Não me permito morar no tempo que se foi. Para mim, o tempo que se foi é o meu lugar favorito para passear. Mas é no presente que você vê a vida acontecendo. Sampleando a frase famosa, dá para dizer que o presente não é mais como era antigamente. Por que mesmo que estou falando disso tudo? Pergunta justa, caro leitor impaciente.

Na minha época de jovem paquerador, eu geralmente usava a música e as palavras para chegar junto de uma menina. Eu era muito tímido para cair matando, como faziam uns amigos meus, cuja determinação e pegada eu admirava. Tudo bem que para certas coisas um pré-requisito conta: os caras eram bonitos e eu nunca fui. Então, eu tinha de compensar de outra forma. Preferia deixar subentendido. Sempre gostei de dar flores, escrever bilhetinhos, fazer sonetos. Eu e outros meus irmãos homens somos feito dessa massa. Culpa da minha mãe. Preferimos o jeito à força. Mas o mundo gira e a Lusitana roda. E os tempos mudaram.

Na era de redes sociais, em que a linguagem é o fio que conecta a rede, as formas de conquista vivem guinadas e reconfigurações interessantes. Os sentidos do carinho que se busca e se oferece ganharam novas formas. Eu cheguei a mandar telegrama de amor. Hoje, o telegrama de amor vem em forma de um tweet solto no Twitter, de um reblog no Tumblr ou de um curtir no Facebook. Dizemos para alguém que seu sorriso nos encanta – ainda que jamais o tenhamos visto ao vivo – numa mensagem compartilhada ou em um emoticon no inbox. Curtimos fotos postadas em tempos atrás para sinalizar que estamos ligados, stalkeando por atração. A mensagem é “estou passeando por você”.

Em tempos digitais, a atração se dá de forma invertida do que se dava nos tempos do ronca. Antes, o aspecto físico tinha um peso bem maior do que tem hoje. Àquela época, a coisa era tête-à-tête. Hoje mudou: é mouse-a-mouse. Por isso, nos apaixonamos pelo que a pessoa é, diz, pensa, comenta, ama e odeia para só depois prestar atenção no físico. E antes que os comentadores pulem no meu pescoço me criticando, eu esclareço: não estou dizendo que a atração física não conta. Claro que conta. É biológico. Até motiva o primeiro clique. O que estou colocando como ponto de reflexão é que os tratos pessoais desempenham uma função bem mais determinante agora do que nos tempos da Chispita. Isso é fato. Amores de internet tendem a dar mais certo porque surgem de encontros de alma primeiro e só depois vão para o corpo. Essa ordem é sempre mais garantida. Enfim, meu ponto aqui é de que talvez hoje, com as redes, eu tivesse mais chance com a Margareth, de quem levei um fora federal, do que o Arlino, por quem ela foi apaixonada. Ele era mais bonito. Não tinha internet. Fazer o quê? Se fosse hoje… oops! A Margareth está no meu Face! =P

Curtir, compartilhar, comentar, silenciar sobre um post. Tudo isso adquire um novo sentido quando se trata de conquista. Os internautas vão construindo sentidos compartilhados só pelos dois à medida que os mouses clicam. Sem jogar abertamente, o que estragaria o lindo processo da sedução, ambos vão se conhecendo, criando códigos, apontando caminhos, sinalizando positiva ou negativamente. Há posts que se escreve esperando uma curtida específica, que quando acontece faz a gente lamentar que o Facebook não tem a necessária opção “curtir a curtida”. O mundo digital está definindo sua semântica dos afetos. Nós, sujeitos da linguagem, estamos construindo o discurso dos afetos nesse mundo neste exato momento. Ele vem para expandir o que já sabemos – ou não – no mundo analógico, na vida fora do computador.

As coisas mudam. Um dia lá atrás, abria-se a porta do carro para a dama. Num outro, tempos depois, fazia-se tatuagem para marcar no corpo a prova do amor. No ciberafeto, transforma-se em bits & bytes os frios na barriga e manda-se pelas ondas digitais. Há pessoas que preferem a pegada direta. Há pessoas que pessoas que preferem ficar na zona cinzenta do sentido.

O mundo gira e a Lusitana roda. Fato é que quando a pessoa que mexe com a gente passa, seja perto da mesa, seja na nossa linha do tempo, o mundo para. E cada um tem a sua forma particular de ficar jogando o seu gelinho.

MESA DE BAR Guilherme Arantes

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Os MP3 do MESA DE BAR ESPECIAL Guilherme Arantes.

http://www.4shared.com/rar/ceL9vzJe/Guilherme.html

Alguém igual a você

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I heard that you’re settled down/That you found a girl and you’re married now/I heard that your dreams came true/Guess she gave you things, I didn’t give to you/Old friend, /Why are you so shy?/It ain’t like you to hold back/Or hide from the light/I hate to turn up out of the blue uninvited/But I couldn’t stay away, I couldn’t fight it/I hoped you’d see my face and that you’d be reminded/That for me, it isn’t over./Never mind, I’ll find someone like you/I wish nothing but the best for you, too/Don’t forget me, I beg, I remember you said/Sometimes it lasts in love/But sometimes it hurts instead /Sometimes it lasts in love/But sometimes it hurts instead, yeah/You’d know how the time flies/Only yesterday was the time of our lives/We were born and raised in a summery haze/Bound by the surprise of our glory days/I hate to turn up out of the blue uninvited/But I couldn’t stay away, I couldn’t fight it/I hoped you’d see my face and that you’d be reminded/That for me, it isn’t over yet/ Never mind, I’ll find someone like you/I wish nothing but the best for you, too/Don’t forget me, I beg, I remember you said/Sometimes it lasts in love/But sometimes it hurts instead/Sometimes it lasts in love/But sometimes it hurts instead, yeah/Nothing compares, no worries or cares/Regrets and mistakes they’re memories made/Who would have known how bitter-sweet this would taste/ Never mind, I’ll find someone like you/I wish nothing but the best for you, too/Don’t forget me, I beg, I remember you said/Sometimes it lasts in love/But sometimes it hurts instead/Sometimes it lasts in love/But sometimes it hurts instead, yeah…yeah

E aí? Soube que agora você é uma cara de família, deu uma estabilizada na vida… Show. Me contaram – sempre contam! –  que você encontrou uma pessoa e casou.  Disseram também que seus sonhos se realizaram. Legal. Legal que você achou alguém que lhe deu coisas que eu não pude dar. Legal mesmo. Super legal. Pois é, meu amigo… Posso te chamar de amigo, né?… Olha! É impressão minha ou você está meio sem jeito falando comigo? Como diz o Chico: “É desconcertante rever um grande amor”, né? Mas saiba, meu amigo, que essa timidez não combina com você. Não é seu esse lance de ficar retraído, de se esconder da luz. Não é aquela pessoa que eu conheci, com quem dividi sonhos, planos, cama…

Olha, eu sei que é muito estranho eu aparecer assim do nada, de repente, sem ser convidada. Odeio fazer isso. Quero deixar isso bem claro. Não me leve a mal, mas é que não deu pra ficar longe. Não tive força pra isso. A minha esperança é de que vendo o meu rosto você se lembre que pra mim nunca acabou, que eu nunca superei. Quer dizer… foi mal… deixa pra lá… um dia eu acho alguém que nem você… Olha só, lhe desejo tudo de bom, tá? Boa sorte! De verdadão! Mas, por favor, nunca me esqueça. Eu lembro que você me dizia que ou o amor faz as coisas se perpetuarem ou as coisas acabam desmoronando e acabando com a gente, que eram as opções lógicas, né? Eu lembro. Você falava isso… Você sempre foi muito razão.

Escuta, você também tem a impressão de que o tempo passa rápido também? Ainda ontem a gente estava junto, vivendo a melhor época de nossa vida. Parecia que não ia acabar nunca. Nosso amor nasceu  e foi como uma chuva de verão, rápida e forte. Torrencial. Nos inundou. O que mantinha a gente unido era a glória de cada momento daqueles tempos. Cada momento era a glória, né? Tempos bons, né, meu amigo? Pois é…

Olha… sério… foi mal aparecer assim, de repente. Mas não deu, cara. É mais forte do que eu ainda. O que eu queria mesmo era que você me olhasse e se visse no meu olhar, como antes… Assim, só por dizer, sabe… Esquece, esquece… Você tá bem… E eu sei que vou encontrar alguém assim como você, eu sei. Mas só mais uma coisa: sabia que nada é igual depois da gente? Perdi você ao perder nosso cotidiano. Nossos arrependimentos, nossos medos… tudo virou história. Nossa história. Minha, né? Você está aí,  casado, feliz… então… Quem diria que aquilo, tão doce, ia ficar tão amargo?… Mas ó… esquece, tá? Você tá bem e não quero atrapalhar. Eu vou encontrar alguém como você. Tem de ser exatamente igual a você. Senão não serve. Senão não serve… Eu ainda amo você…

Canção pra você viver mais

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Nunca pensei um dia chegar/ E te ouvir dizer: “Não é por mal, mas vou te fazer chorar/Hoje vou te fazer chorar… Não tenho muito tempo. Tenho medo de ser um só/Tenho medo de ser só um alguém pra se lembrar,/alguém pra se lembrar/alguém pra se lembrar…”/Faz um tempo eu quis/fazer uma canção/pra você viver mais/Faz um tempo que eu quis/fazer uma canção/pra você viver mais/Deixei que tudo desaparecesse/E perto do fim/não pude mais encontrar/O amor ainda estava lá/O amor ainda estava lá!/Faz um tempo eu quis/fazer uma canção/pra você viver mais…

A única certeza que temos sobre o que nos vai acontecer no futuro é a morte. Ela vem, infalível. Vem para mim, vem para você, vem para todos.

Elizabeth Kubler-Ross, psiquiatra suíça, ficou famosa por seus escritos sobre a morte. Em 1969, ela escreveu “On Death and Dying”. Nesse livro, a autora apresenta os estágios pelos quais as pessoas passam quando estão na fase final de vida: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação.

O primeiro estágio, a negação, ocorre porque o Ego não aceita a notícia. Surge uma dor psíquica pela incompatibilidade do destino anunciado e os planos para a vida. Como o Ego não dá conta da coisa, vem a raiva. “Por que logo comigo? O que fiz para merecer?” Perguntas retóricas brotam férteis. O mundo todo recebe a culpa da proximidade do derradeiro destino. A pessoa fica amarga e revoltada. Sem forças para agredir o mundo, que é maior, passa-se a negociar com Deus uma sobrevida em troca de promessas de uma vida de fé, dedicada a outras pessoas, à caridade ou algo assim. Como Deus não fala mais diretamente com a gente, como fazia no Antigo Testamento, a impressão é a de que fica tudo na mesma. Daí vem a depressão, a tristeza, o fundo do poço. Sem forças para reverter o destino fatal, se aceita a morte como inevitável.

Kubler-Ross falava desses estágios vividos a partir de alguém destinado a fechar os olhos e perder seus 21 gramas de alma. Mas eu acho que os estágios servem para qualquer tipo de morte, não somente àquela que nos leva aos sete palmos do laborum meta. Servem para as mortes simbólicas também.

Quando a morte de um amor é anunciada, por exemplo, ocorre a mesma coisa: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Quando perdemos um emprego, idem. Um amigo que nos trai a amizade? Mesma coisa. Um relacionamento? Uma fé que falha? A gente nega, fica chateado, tenta negociar, se desespera e, por fim, aceita. Ou não, ficando estagnado em uma dessas etapas, com a vida congelada. Isso é importante: não estagnar. É necessário fechar ciclos. Faz parte de nossa constituição simbólica. A vida nos exige o clique no cadeado na saída.

Se tomarmos os estágios de Kibler-Ross como parâmetros da morte, real ou simbólica, talvez tenhamos mais margem de manobra de nossas dores, pois saberemos o caminho a ser percorrido. Talvez. Receitas não funcionam na dor. Certo é que a nossa morte real ou a morte simbólica daquilo que nos compõe a vida não é uma decisão nossa e elas vêm, infalíveis. Vêm para mim, vêm para você, vêm para todos.

Não queremos pensar no dia em que isso vai chegar. Mas tudo o que a gente gosta vai morrer. Não é por mal que quem vai vai nos fazer chorar. Vai porque tem de ir. Se é tão certo que a morte vem, é certo também que o amor sempre vai estar lá. Não deixemos, pois, que tudo desapareça antes do fim para que, arrependidos, perto do fim, não possamos mais encontrá-lo. Se ajeite, respire fundo e faça as pazes com quem você gosta e de quem você anda afastado. Seja você a dar o primeiro passo. É triste cantar a linda música do Pato Fu para alguém real, alguém que gostaríamos que tivesse vivido um pouquinho mais a ponto de receber um abraço reparador. Esse, amigo leitor, é um arrependimento irremediável.

Faz um tempo eu digo às pessoas que gosto o quanto gosto delas. Faço isso desavergonhadamente. Antes que elas se vão. Porque elas vão. Receber o calor do abraço amoroso de alguém é muito bom. Sabe, leitor, faz um tempo eu quis fazer uma canção pra você viver mais. Mais tempo, mais intensamente.

Longe perto

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A etimologia nem sempre é o único lugar para começar, mas é um lugar. Rezam os registros dos deuses da linguística que a palavra “irmão” vem do latim “germen”, semente. Irmão seria, portanto, aquele vem da mesma semente. Quando falamos em “semente”, que também é uma palavra latina, nos referimos à origem. Qualquer pessoa mais sensível para as belezas do mundo sabe que a semente aqui referida não se limita à origem biológica, mas a origem enquanto lugar de partida, o ninho.

Irmão para mim é aquele que sai do mesmo lugar, simbolicamente falando. Aquele que mesmo divergindo nos caminhos converge em princípios e em bem-querer não só para os conterrâneos de origem, mas todos os bons do mundo. Irmão chora junto e enxuga as lágrimas. Estoura a champagne e faz o churrasco da vitória. Irmão segreda segredos secretos. Irmão é cúmplice. Na fala. No silêncio. Na arte. Irmão sente a presença da ausência do outro.

Fico pensando se fosse filho único. Não ter irmão para mim é um non-sense, um não sentido. Com quem aprender a dividir? De quem sonegar no egoísmo infantil? Na cabeça de quem bater o martelo de madeira? A quem recorrer nas ausências da alma? Ser irmão é falar, mesmo no silêncio. É estar presente, mesmo na distância. É compartilhar as coisas boas do mundo e puxar da lama das ruins, quando atolamos. Ser irmão é ter códigos secretos, impenetráveis. Uma linguagem criada pela história de vida que não é compreendida por nenhum forasteiro, por mais atento que seja.

Irmão protege. Ou sendo escudo, para receber em si as pedras da existência, ou abrindo a porta, para que nosso aprendizado se dê calejando os pés em caminhos não tão macios, mas necessários no crescimento do ser. Ser irmão é dizer o que é preciso, com o carinho e a verdade dos que amam. Ser irmão é ouvir o que é necessário: ninguém que nos ama nos diria algo se não fosse exclusivamente para nos ver bem. A vida nos põe junto dos irmãos por um motivo. Ela os escolhe para nós. O segredo da felicidade é compreender as razões secretas desse quebra-cabeça. Descobrir o que aprender com cada irmão.

Segundo os dicionários, há os irmãos de leite: indivíduos amamentados pela mesma mulher que é mãe de um e ama do outro; os irmãos uterinos: irmãos filhos da mesma mãe e de pais diferentes; os irmãos consanguíneos: irmãos filhos do mesmo pai e de mães diferentes; os irmãos germanos: irmãos filhos do mesmo pai e da mesma mãe; e os irmãos siameses: biologicamente grudados. Irmão, para mim, resume-se ao siamesismo de alma. É a alma grudada que faz com que, nas nossas diferenças, sintamos a presença dos irmãos em nós, na nossa vida, na nossa existência.

Hoje é aniversário de um dos meus quatro irmãos. Pensei nele e no quanto dele tem em mim. Eu seria menos eu se não o tivesse tido. Caminhos bifurcam e se encontram sempre lá na frente. O poeta T.S. Eliot diz: “E, ao final de nossas longas explorações, chegamos ao lugar de onde partimos e o conheceremos então pela primeira vez”. O poeta Nilson Chavez reza na música que dá título a este texto: “Toda vez que eu viajar é sinal que estou aqui e, quando estiver por lá quer dizer: nunca parti. A vontade de voltar não impede a de seguir. E, por onde quer que eu vá, estarei vivendo em ti”. Vale para lugares. Vale para pessoas. Te amo, mano.

Detalhes

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Não adianta nem tentar me esquecer/Durante muito tempo em sua vida eu vou viver…/Detalhes tão pequenos de nós dois/são coisas muito grandes pra esquecer/E a toda hora vão estar presents/Você vai ver…/Se um outro cabeludo/aparecer na sua rua e isto lhe trouxer saudades minhas a culpa é sua…/O ronco barulhento do seu carro/A velha calça desbotada ou coisa assim/ Imediatamente você vai lembrar de mim…/Eu sei que um outro deve estar falando ao seu ouvido palavras de amor como eu falei/Mas eu duvido, duvido que ele tenha tanto amor/e até os erros do meu português ruim/E nessa hora você vai lembrar de mim…/A noite envolvida no silêncio do seu quarto/Antes de dormir você procura o meu retrato/mas da moldura não sou eu quem lhe sorri/Mas você vê o meu sorriso mesmo assim/E tudo isso vai fazer você/lembrar de mim…/Se alguém tocar seu corpo como eu não diga nada/Não vá dizer meu nome sem querer à pessoa errada…/Pensando ter amor nesse momento desesperada você tenta até o fim/E até nesse momento você vai lembrar de mim…/Eu sei que esses detalhes vão sumir na longa estrada do tempo que transforma todo amor em quase nada/Mas “quase” também é mais um detalhe/Um grande amor não vai morrer assim/Por isso, de vez em quando você vai, vai lembrar de mim…/Não adianta nem tentar me esquecer/Durante muito, muito tempo em sua vida eu vou viver/Não, não adianta nem tentar me esquecer…

Um amor nunca acaba. Um verdadeiro amor se entranha na gente. Por mais que ele passe no tempo cronológico e os corpos deixem de se encaixar ligando as almas, um amor dos vera finca morada e por muito tempo insiste em viver ali, dentro de nós.

Passado um tempo, a cada esquina o dia a dia nos traz lembranças de um momento de uma vida a dois que se prometeu para sempre. No entanto, a promessa por alguma razão foi interrompida, abortada. Encerrou, mas não acabou.  Porque continuamos esbarrando em cheiros, cores, lugares e pessoas que são máquinas do tempo nos levando àquela época que hoje parece uma dimensão paralela, um tempo de cuja existência esquecemos quando nos pegamos distraídos com a vida. Pegos no susto da lembrança, exclamamos, surpresos: puxa, eu já amei essa pessoa!

Os detalhes tão pequenos de uma trama de afeto são coisas muito grandes para cair no vale do esquecimento. O tamanho de tudo quando se fala em amor não é físico, mas simbólico. Pode caber no espaço de um pingente ou numa aliança tosca de compromisso feita de tucumã. Há detalhes. Aquela história, aquele pôr-do-sol, aquela viagem. Aquela mania, aquela preferência, aquela implicância. O lugar na cama, a tampa da manteiga sempre aberta, a roupa sempre espalhada. Aquele perfume, aquela música, aquele boteco, aquele jeito de sentir prazer. Aquele defeito tão bonito. Como nós não podemos apagar o mundo que circunda aqueles que passaram em nossa vida, os detalhes sempre se farão presentes. Os detalhes moram do mundo, mas pertencem a enredo de dois.

No curso da vida surgirão outros amores. Esses amores novos nos amarão bem menos e pior do que o que se foi. Por isso, amores capengas nos farão lembrar do amor que passou justamente pela intensidade e pela qualidade de tudo o que vivemos e que não temos mais. Alguns outros amores, por outro lado, nos amarão bem mais e melhor do que o suspenso. Esses nos trarão à memória a tristeza da potencialidade não exercida daquele amor que acabou, que não foi tudo aquilo que poderia ter sido. Não tem jeito: a memória é um beco saída. Uma vez dentro, nos encurralamos contra o muro da lembrança. Só tem saudade quem viveu.

Se há uma coisa que constrange o coração é reconhecer em um novo amor a presença de um antigo. Um mesmo hábito, o mesmo jeito de sorrir, o mesmo perfume. A maneira de mexer no cabelo, os movimentos dos abraços ou do quadril… Ou falta de tudo isso. O novo faz assim, mas o antigo fazia assado. Ou cozido. Detalhes. Diz a frase que o diabo mora nos detalhes. Se assim é, o diabo e as lembranças são colegas de quarto. Nos detalhes, a essência do que se foi.

Sabe o que mais dói quando um amor entra em suspensão? É a perda dos detalhes do outro. Perde-se alguém quando se perde seu cotidiano, sua micro-história, suas tristezas e alegrias, que ficam incompartilháveis. Mais: outra pessoa está presente naquele dia a dia que era nosso por direito. Com certeza a vaca ou o babaca está lá com menos afinco do que nós. Outra pessoa está ouvindo frases que eram nossas, fazendo carinhos que deveriam estar vindo de nós e para nós. Humanos pretensiosos, temos a mais absoluta certeza de que o outro que está falando palavras de amor no ouvido que se foi não tem tanto amor como nós tínhamos. Apostamos um dedo polegar em que o impostor não fala do jeito que nós falávamos. É um ultraje esse outro viver a nossa vida, protagonizar os nossos atos, atuar em nossos enredos. Um canastrão qualquer agora encena esse papel que era nosso. Que triste espetáculo!

Detalhes. Arrumando as coisas, uma foto dentro de um livro. No livro, uma dedicatória feita em tempos outros para nós, que já não existimos mais. Como era verdadeira aquela dedicatória… Até a letra era caprichada. Há dúvidas se o cheiro de mofo é do livro ou dos sentidos contidos naquele pedaço de texto. Na foto, um sorriso que preenchia boa parte do nosso dia. Instante de um momento cujas circunstâncias passamos a recordar. Com detalhes. Mas tal qual em “De volta para o futuro”, a companhia da foto está esmaecida porque o futuro não aconteceu por um desvio de rota no passado.

Jogamos fora as fotos, apagamos e-mails e posts, colocamos uma outra foto no porta-retratos. De que adianta tudo isso se o cérebro continua mandando torpedos para o coração? Do que vale trocar as fotos se nas molduras onde há a presença de outra pessoa que lhe sorri, nós continuamos a ver outro sorriso mesmo assim? A lembrança é um espírito obsessor que nos acompanha no carro, no banho, na lua cheia que olhamos, pensando em cenas românticas.

Amores e suores. Delícias de enredos a dois. Se fosse um filme, seria um clássico. Se fosse um livro, seria um best-seller. Se fosse uma música, uma do Roberto. Mas foram-se as histórias. Saíram de cartaz. A vida seguiu e outros amores vieram para beijar nossa boca, lamber nossa carne, tocar nosso corpo. Evitamos falar qualquer coisa no frenesi do balé dançado nos lençóis com o receio apavorante e real de dizer o nome acostumado sem querer à pessoa errada. O breve segundo de consciência sobre quem está encaixado em nós nos tira a concentração. Desesperados, tentamos artifícios para ir até o fim. Recorremos aos olhos fechados para garantir a presença ausente naquele corpo que agora explora o nosso. Por instantes, fingimos acreditar em prazeres novos, nos iludindo em um hedonismo da carne, do sexo e da luxúria, sem sustança afetiva. O sexo é bom. Mas não é igual. É legítimo dublar corpos?

A longa estrada do tempo tem seus caprichos. Ela tende a transformar todo um amor imenso em quase nada, apagando os detalhes, deixando só os rascunhos da história em linhas muito gerais. Quase nada. Mas o quase é mais um detalhe também. É por esse fio de memória que um grande amor se oxigena na história de nossas vidas e não morre nunca. No máximo, fica cataléptico. Dorme para despertar ao seu capricho.

Não, não adianta tentar esquecer. Durante muito tempo os detalhes vão viver. Fato é que tentar apagar detalhes entranhados em nossa carne, em nossa alma, em nossa história é querer apagar uma parte de nós. Não se passa borracha em vidas. Memórias não são retornáveis. Nem devem ser. A antologia universal do amor guarda algumas páginas para os nossos amores. Amores que se foram, é verdade. Mas que deixaram em nós traços de si, nos tornando melhores e nos preparando para outro alguém que tecerá uma vida cheia de mais outros detalhes, feito um manto do Arlequim. É mais prudente guardar nossa caixa de detalhes dos que cruzaram nossas vidas e acarinhar cada souvenir deixado por quem passou do que fingir que não existiu histórias que nos trouxera até aqui. Ciclos precisam se fechar para que outros se abram. Mas não precisam sumir. Se o novo amor exige isso, livre-se dele. Ele não respeita seus pedaços. Ele não entende que nós somos o que nós temos sido. Que amores que passaram e de certa forma ficaram fizeram de nós as pessoas por quem ele se apaixonou.

Porque um amor nunca acaba. Um verdadeiro amor se entranha na gente. Por mais que ele passe no tempo cronológico e os corpos deixem de se encaixar ligando as almas, um amor dos vera finca morada dentro de nós e por muito tempo insiste em viver ali. Em detalhes.

Dias de chuva

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Sim, a gente se desentendeu…/Pense não ser bom fugir,/da paixão se proteger./Volta ao normal/Antes de nascer o sol/Se pintar tristeza, ouça o coração/Vi que ficou cinza a cor do azul/Mas por que chamar a dor/Antes de acontecer/Traga com o Sol/Paz aqui pro coração/Peça pra esse inverno chamar o verão/Bom demais sentir você por perto mesmo sem te ver/Estar feliz a todo tempo/Claro para nós que não há nada mais a se fazer/Fazer voltar os bons momentos/Eu já sei de cor a cor do azul/Passou o vendaval/Voltou a brilhar o Sol/Tudo é amor/Se a paixão nos fez chorar/Não passou de chuvas, chuvas de verão/Bom demais sentir você por perto mesmo sem te ver/Estar feliz a todo tempo/Claro para nós que não há nada mais a se fazer/Fazer voltar os bons momentos/Me perdoa por você chorar/Dias de chuva são/Véspera de tempo bom/Sigo com o Sol/Cai a chuva pelo chão/Deixo a tristeza e ouço o coração/Siga com o Sol/Cai a chuva pelo chão/Deixa a tristeza e ouça o coração.

Sim, a gente se desentendeu.  Mas quem não? Ah, eu não compraria um carro usado de um casal que diz que nunca brigou. Um amor idealizado, sem brigas, sem rusgas, é um amor que não range suas diferenças, fundamental para fazer a engrenagem da vida a dois rolar, tecendo a rede de memória que alicerça a história da relação. Buscar uma assepsia impossível na relação acaba com o sistema imunológico do amor. É preciso por os pés descalços na lama para pisar firme na grama.

Nossa briga é desvio, não caminho. Por isso, me ouça. Pense que não é uma boa fugir de nós. Eu sei, parece que a distância ajuda na hora da carne aberta pela navalha da palavra mal dita, pela lâmina do erro maldito. Todas as pessoas erram, mas só as que são grandes pedem desculpas olhando nos olhos. Olhe nos meus olhos. Quero-me grande para você, ainda que agora seja liliputiano. Quero pedir desculpas sinceras. Se veja no meu olhar sincero e me permita que eu me veja no seu. Foi assim que nos entendemos na primeira vez, lembra? Ficar longe, sem querer conversar, é se proteger da paixão.

Precisamos – eu, você, nós – voltar ao normal antes do nascer do sol. Está escrito nos estatutos do amor que ninguém que ama deve dormir sem dar um beijo de boa-noite para fechar o dia, tenha sido ele bom ou ruim. O beijo de boa-noite noite é Deus rendendo nossos anjos da guarda. Permita que Deus entre. Quem tem um lastro, uma história, como nós, pode apostar no coração como avalista quando pintar a tristeza. É preciso ouvir o coração. Como um velho sábio das montanhas do Tibet, ele sussurrará no ouvido de sua alma o que melhor há de fazer.

Na cromotipia da vida, às vezes a cor do azul fica cinza. Nublam o celeste as tristezas gris. Um erro, um deslize, um momento em falso pode alterar a meteorologia de nosso afeto. Mas nuvens, chuva, raios e trovoadas estão ali por instantes. O normal é a cor azul e sua paz infinita.  Mas por que chamar a dor antes de acontecer? Há um ponto tênue de controle entre o silêncio regulador e a palavra descarrilada. Um ínfimo hesitar ou um micromovimento que altera tudo o que somos, tudo o que temos, tudo o que podemos vir a ser. Não nos abortemos por migalhas.

Não esmaeça por minha causa. Não se esvazie do seu gás por causa de uma alfinetada minha. Traga com o sol paz aqui para o coração. Sua luz se expande ao tocar em meus pontos escuros. E vice-versa. Porque somos diferentes. Precisamos da diferença para, dividindo a vida, somar os caminhos e multiplicar as possibilidades. Ah, “navegar é preciso, mas viver não é preciso”, como precisa é a aritmética. Olhe nos meus olhos… Invento joguinhos de palavras piegas e cito o  poeta para fazer uma ponte entre nossos olhares, a única forma de cruzar esse Rio Amazonas que nos separa.

Um inverno. De repente um gelo inesperado. Um inferno. Andávamos há pouco descalços na areia da praia, sob o calor do sol e das nossas mãos dadas. Um erro, um deslize, um passo em falso… Mas e nós? Olha, peça para esse inverno chamar o verão! Tem aquela praia que desenhamos no guardanapo, com um coqueiro e uma casinha esperando por nós, lembra? Lembra?

É bom demais sentir você por perto, mesmo sem te ver. O amor é fisicamente incoerente: o vazio da ausência não cabe dentro da gente. Transborda. […] Ei, eu estou desesperado com teu silêncio. […] Queria estar feliz a todo tempo, como antes. Claro para nós que não há nada mais a se fazer: só fazer voltar os bons momentos. […]

Um sorriso.

Você está me olhando nos olhos…

Eu já sei de cor a cor do azul. Passou o vendaval e voltou a brilhar o Sol. Tudo é amor. Se a paixão nos fez chorar, não passou de chuvas, chuvas de verão. As chuvas alimentam a vida à custa da falta de sol momentânea. Que nossas chuvas sejam nutrientes de nosso ecossistema e não deslizadoras das montanhas de nossas geografias. Bom demais sentir você por perto. Bom demais sentir o teu cheiro. Bom demais, ponto. Uma vida, uma história, uma trilha sonora, nossos detalhes, nossas manias: recuperamos tudo de uma quase perda total. Que buraco ficaria na antologia universal do amor!

Me perdoa por você chorar? É que dias de chuva são véspera de um tempo bom… Comecemos novamente o nosso tempo bom. Eu sigo com o sol, cai a chuva pelo chão e eu deixo a tristeza e ouço o coração. Siga você também com o sol, pois cai a chuva pelo chão. Deixe sua tristeza e ouça o coração…

Há um ponto tênue de controle entre o silêncio regulador e a palavra descarrilada. Um ínfimo hesitar ou um micromovimento que altera tudo o que somos, tudo o que temos, tudo o que podemos vir a ser. Dias de chuva sempre vêm. Mas o sol surge indefectível. Um beijo, meu bem. Boa noite.