Um texto antigo pra recordar

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ETERNOS ALUNOS

Alunos, todos iguais... :)Adoro dar aulas: pessoas reunidas em volta do fogo da curiosidade, como faziam na pré-história os homens em torno do fogo para se aquecer. Um das belezas em ser professor é a possibilidade de conhecer muita gente. São 23 anos de magistério. Tenho colegas de trabalho que foram meus alunos. Tenho alunos que foram meus colegas de trabalho. São muitos os que me deram o prazer da convivência. Esse percurso fez-me pensar nos tipos de alunos que temos. Se você é professor vai saber do quer estou falando.

O primeiro tipo de aluno é o sabe-tudo. A cada frase do professor, o sabe-tudo levanta a mão. Se deixar, ele fala a aula inteira. Adora testar o professor. Por isso faz par com o desconfiado. O desconfiado assiste à aula com uma sobrancelha alta e outra baixa, como quem diz: “será que o que esse cara sabe do que está falando?” Esparrama-se na cadeira e põe a mão no queixo, como O Pensador de Rodin.

Há também o aluno concordante. É terminar uma frase e ver o concordante concordando, com sua cabeça de mola para cima e para baixo. Mas diferente do sabe-tudo, ele é humilde. Sabe que a educação pode lhe acrescentar algo. Ele concorda convencido. O que concorda para agradar é o puxa. Tive uma aluna que dizia: “Bom dia, professor. Sua aula é a razão de eu estar aqui hoje”. Descobri que ela dizia isso a todos os professores. E eu me achando.

Outro tipo é o reverente. Para ele, o professor é mestre, digníssimo ou, em caso de reverência suprema, digníssimo mestre. Sempre comenta as “sábias palavras muito bem colocadas pelo mestre”. Outra figura é o dialogador pós-aula. A aula termina e o dialogador se aproxima, devagarzinho, e começa a comentar a aula, acompanhando o professor até a sala dos professores. É um momento de individualização do ensino. O paciente é mais um tipo presente. Ele é paciente no sentido médico. O professor é Dr. Freud e dele o paciente espera conselhos sobre sua vida, trabalho, planos ou qualquer encruzilhada existencial.

Há o spammer, que lota o e-mail do professor com mensagens imensas. Os spammer são inofensivos quando se tem um bom antivírus. Há o citador, que a cada aula manda: “Como dizia Paulo Freire, ‘não há docência sem discência’”. O citador trabalha com palavras-chaves: é ouvir uma que está indexada e disparar de pronto. Se você for professor homem, um tipo típico é a apaixonada. Ela joga charme e o chama de fofo. As paixões no contexto educacional existem, mas são despertadas mais pelo lugar simbólico ocupado pelo professor do que por suas qualidades pessoais intrínsecas.

Poderia elencar mil tipos, mas é dispensável. Cada professor que faça sua lista. Como entendo deste assunto, só usei o espaço para fazer uma breve colocação, ainda que desconfie que você possa não gostar do texto. Se você discordar, tudo bem: o leitor é quem manda. Só saber que você está me lendo torna meu dia melhor. Qualquer dia desses, digníssimo leitor, a gente conversa e conto minha vida. Tenho certeza que sua opinião vai me ajudar. Por enquanto, a gente se comunica por e-mail. Vou enviar uma linda mensagem de apenas oito megas para você refletir. Porque é como dizia Barthes: “o autor está morto. É o leitor que constrói o sentido de um texto”.  A propósito, sou apaixonado por nossa relação. Não tem jeito: somos eternos alunos.

12 comentários em “Um texto antigo pra recordar

    Eduardo J.S. Honorato disse:
    15/10/2009 às 11:17

    BRAVO!

    Suelen de Andrade Viana disse:
    15/10/2009 às 13:50

    E uma vez professores , eternos professores.

    Abraços, professor Sérgio.

    Felicidades!!

    Sue

    Maysa disse:
    15/10/2009 às 14:00

    Adorei, textos assim fazem com que a docência me pareça menos assustadora.

    Rodrigo Araújo disse:
    15/10/2009 às 15:49

    Aê mestre, concordo plenamente com o senhor…

    Eu era uma mistura do concordante, o (ir)reverente e alguns outros mais, impróprios para o horário.

    Darle disse:
    15/10/2009 às 21:52

    Tenho mesmo saudade desses tipos de alunos.
    Já quase não existem…

    Era do tempo que eu era tratada como professora.

    Mas como não só de saudosismo vive o(a) professor(a), vou levando a vida devagar “porque já tive pressa”

    Orgulho-me de ser professora… de ser professora… ser professora… pro- fes- so-ra.

    Doutor Estranho disse:
    17/10/2009 às 12:55

    Muito nobre a missão do professor.

    Fiquei na dúvida se eu era desconfiado ou concordante. Acho que dependia muito de qual professor ministrava a aula…

    Arienne Bezerra disse:
    07/11/2009 às 21:27

    Gostei muito do texto, como aluna que está saindo da escola e aguarda ansiosamente a universidade, fiquei emocionada de pensar que passei anos de minha vida convivendo com os tipos de alunos aqui descritos e muitos outros que agora já sinto saudades antes mesmo do fim das aulas.
    Parabéns pelas palavras e pela sensibilidade. Um abraço.

    Fernanda disse:
    08/11/2009 às 23:39

    É….com vc eu sempre fui a aluna paciente no sentido médico. Saudades Dr. Freud.
    Beijos.
    Fernanda.

    obrigatorio da espontaneidade disse:
    17/11/2009 às 13:58

    Cara, eu também tenho essa paixão pelo fogo do conhecimento e pelo saber fazer a fogueira para que, espontaneamente, venham se aquecer ao nosso redor nossos a-lunos, que, como dizia o eterno Paulo Freire, não são tão sem luz assim.

    Professores como você ou como aquele parente cujo site me linkou o seu, me fazem pensar educação em outras dimensões. Estou misturando todos aqueles tipo de aluno, o puxa, o da sobrancelha, o do fim da aula, pois a crônica terminou e aqui estou eu, mas é porque a aula, Dr Freud, é a vida mesmo. Daí os menino quererem tua opinião nas encruzilhadas esperituais.

    Uma vez, você estava dando aula lá do lado do departamento de fotografia, na UFAM, e parei por ali, na parte mais alta, e fiquei ouvindo vendo vc dar aula: “Pô, esse cara manja!”. Mas talvez, se estivesse dentro da sala, fingisse desatenção para provocar da tua parte uma reação mais incisiva, um aumento na temperatura do fogo. É, tem alunos que fazem isso.

    Também adoraria falar mais em outra oportunidade, obrigado pelo convite. Ah, parabéns por despertar tantas rações dos alunos. Tive professores que todos achavam chato e pronto.

    Duda disse:
    09/02/2010 às 07:15

    Você deveria também fazer um texto sobre os tipos de professores e nos dizer em qual deles você se enquadra.

      Sérgio Freire respondido:
      09/02/2010 às 07:43

      Já fiz, Duda. Chama-se “A Arca de Noé”. Está por aqui. Dê uma procurada. E me enquadro em todos os tipos. Somos um dispersão de sujeitos num só. Um abraço. SF

    Rosenilda disse:
    29/03/2010 às 18:24

    Oi gostei muito do seu texto.Eu faço pedagogia estou no primeiro periodo e faço o magistério tbm.Tenho um trabalho para fazer tenho 11 tipos de alunos e tenho que escrever oque eu faria ou como avaliaria cada um,è bem difícil.
    abraços

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