Pirulito que bate-bate

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A turma do pirulito

Em uma confraternização da Secretaria de Educação, estávamos eu, então subsecretário, e o secretário participando de uma das dinâmicas que os pedagogos adoram. Os grupos tinham de ler uma espécie de enigma e descobrir de que canção infantil se tratava. Eu era de um grupo e o secretário de outro. A tarefa estava difícil, até que o secretário cantou, num lampejo de genialidade, “Pirulito que bate-bate!…”. E a equipe dele venceu.

No caminho, conversando no carro, ele confessou que alguém dentre os que haviam bolado a tarefa soprou em seu ouvido a resposta. Rimos durante toda viagem de volta. Ninando minha filha Marina, me peguei cantando o pirulito que bate-bate e pensei na história e na oportunidade para compreender as relações de poder por meio dela.

Em qualquer organização onde haja um mínimo de ordem, há sempre alguém no comando, numa posição de poder. Há também um grupo que circula em volta dessa posição, independente de quem a ocupe. É a turma do pirulito que bate-bate. Ela bate palmas quando pode, bate ponto no puxassaquismo, agrada o que dá e se comporta como acha que a figura em torno de quem gravitam espera que ela se comporte. Não é o Zé que essa turma bajula, mas qualquer um que venha a ocupar a posição de poder que o Zé ocupa. Se o Zé sair e entrar, digamos, o Chico, o Zé vira pária e tudo que fez passa a ser ruim e o Chico vira o deus e matriz de tudo de bom. Muda a pessoa, mas a turma do pirulito continua lá com seu indefectível bate-bate para o chefe.

Nem todo mundo é como a turma do pirulito. Há pessoas que concordam ou discordam de quem está no poder não por piruliteza, mas por convicção. Observam a hierarquia, mas não a utilizam nem como balizador de suas decisões nem como alvo de suas frustrações na carreira ou de seus planos carreiristas. São profissionais que pensam por si e não pelo organograma. Colaboram na sua divergência e são os assessores que um chefe inteligente gosta de ter. Suas opiniões visam o coletivo, não o seu projeto pessoal de ascensão ou perpetuação num cargo a todo custo, como as da maioria dos pirulitos.

Há dois possíveis grandes equívocos numa cultura organizacional: o de os bate-bate acharem que um chefe esperto não sabe que eles são bate-bate e o de um chefe vaidoso crer que os bate-bate gravitam a sua volta por sua capacidade de liderança. No primeiro caso, uma mudança de chefia desnuda os bate-bate. Com um novo chefe, os bate-bate bóiam. No segundo caso, o chefe cria a ilusória sensação de ter sustentação na base, uma sustentação que é tão forte quanto, digamos, um pau de pirulito. Na hora do vamos ver, os bate-bate se pirulitam, buscando seu cômodo buraco na tábua até que o furacão passe e eles descubram em torno de quem devem gravitar. Detalhe: os bate-bate e os verdadeiros assessores não se bicam por índole diferenciada.

Não culpo a turma do pirulito. Eles só sabem ser pirulitos. Sofrem se tiverem de ser outra coisa. E não estão apenas na educação. Estão na saúde, nos jornais, nas universidades, na justiça, na política, no Twitter. Há profissionais e pirulitos em todo lugar. Sempre haverá alguém discordando sinceramente para melhorar e alguém concordando falsamente para agradar. Os assessores reais eu aprendi a admirar e valorizar. Já os pirulitos… quando muito servem de objeto para uma crônica ou para inflar o ego de quem precisa. Entre o saco e carroça, eu prefiro puxar a última. Escolhas…

8 comentários em “Pirulito que bate-bate

    César Wanderley disse:
    08/06/2010 às 20:11

    É, rapaz! E assim o serviço público vai seguindo longe dos interesses da coletividade, da sociedade que paga os salários dos pirulitos. Sou um otimista. Penso que a sociedade um dia melhorará. Claro, não tão otimista a ponto de crer que verei essa mudança. Mas otimista o suficiente para trabalhar por ela. Até que esses párias sejam motivos apenas de crônicas de um passado que superou-se.
    Parabéns.

    Jackline Stéphanne disse:
    08/06/2010 às 20:29

    Excelente texto!
    Lembrei de algumas reuniões que tive com um prefeito do interior do AM, na qual ele falava sobre isso (os pirulitos), e quanto isso é prejudicial na Administração Pública de forma geral.
    Ele, como todo político falou, falou e falou… Mais, nada faz para combater ‘os doces’ que andam perto dele.
    Depois, não sabia dizer pq o TCE, estava cobrando o tal município pela enorme folha de pagamento…
    TRISTE!

    sarah carvalho disse:
    16/10/2010 às 10:01

    professor, palavras geniais. Eu, tola como sou, fico indignada ao ver pessoas que estudaram tanto na vida se relegando a ser “pirulito”, jogando confete por puro interesse por cargos, prestigio, etc. enfim…

    Rodrigo (@ocronico) disse:
    16/10/2010 às 10:07

    Engraçado! A turma do Pirulito é uma Organização que atua em todas as esferas. Tem uma estrutura tão eficiente! Vão acabar dominando o mundo!

    Rosedilson Júnior disse:
    16/10/2010 às 10:18

    Quem passou pela vida pública, discerne muito bem esses carreiristas profissionais, que cada vez mais aprimoram suas técnicas…o que é pior é que o mandatário de plantão invariavelmente se deixa levar e quando sai tem que enfrentar a dura constatação : foi um leso…

    Florêncio Mesquita - espiaoqueaconteceu disse:
    16/10/2010 às 14:07

    Sábias palavras. Existem tantas pessoas presas na tábua de pirulitos. O termo ‘pirulitar’ é moda e caraterística de alguns, muitos por sinal, e tentativa ridícula de obter status com o chef elástico que de tanto ser puxado parece mola envelhecida. Vai e vem de acordo com quem puxa mais. Não sei se a sabedoria terá piedade dos que não tem opinião própria e que insistem em viver na bajulação do outro.

    daniellsantana disse:
    16/10/2010 às 15:23

    Há ainda um “possível terceiro grande equívoco”: o chefe saber que são todos pirulitos bate-bate, mas não fazer nada para mudar – o que torna ele próprio um pirulito-bate-bate.
    Mais ainda, um “possível quarto grande equívoco”: o chefe achar que seus pirulitos são um verdadeiro exército de Leônidas – o que também o torna um pirulito-bate-bate.
    Enfim, para além dos pirulitos há sempre quem os fabrica e sustém.

    Permissão para subscrever o texto.
    : )

    Carlos Augusto Pereira da Cunha disse:
    20/10/2010 às 10:40

    Professor, desculpa, não tem nada a ver com o post, mas andei dando uma olhada no edital do Mestrado de Letras da UFAM deste ano e não vi seu nome lá. O que aconteceu? Foi erro? Não vai ter ninguém para quem quiser pesquisar em Análise do Discurso então? Que doideira! Explica aí, Professor, por favor!

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