Eternos alunos

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 Adoro dar aulas: pessoas reunidas em volta do fogo da curiosidade, como faziam na pré-história os homens em torno do fogo para se aquecer. Uma das belezas em ser professor é a possibilidade de conhecer muita gente. São 26 anos de magistério. Tenho colegas de trabalho que foram meus alunos. Tenho alunos que foram meus colegas de trabalho. São muitos os que me deram o prazer da convivência. Esse percurso fez-me pensar nos tipos de alunos que temos. Se você é professor vai saber do quer estou falando.

O primeiro tipo de aluno é o sabe-tudo. A cada frase do professor, o sabe-tudo levanta a mão. Se deixar, ele fala a aula inteira. Adora testar o professor. Por isso faz par com o desconfiado. O desconfiado assiste à aula com uma sobrancelha alta e outra baixa, como quem diz: “será que o que esse cara sabe do que está falando?” Esparrama-se na cadeira e põe a mão no queixo, como O Pensador de Rodin.

Há também o aluno concordante. É terminar uma frase e ver o concordante concordando, com sua cabeça de mola para cima e para baixo. Mas diferente do sabe-tudo, ele é humilde. Sabe que a educação pode lhe acrescentar algo. Ele concorda convencido. O que concorda para agradar é o puxa. Tive uma aluna que dizia: “Bom dia, professor. Sua aula é a razão de eu estar aqui hoje”. Descobri que ela dizia isso a todos os professores. E eu me achando.

Outro tipo é o reverente. Para ele, o professor é mestre, digníssimo ou, em caso de reverência suprema, digníssimo mestre. Sempre comenta as “sábias palavras muito bem colocadas pelo mestre”. Outra figura é o dialogador pós-aula. A aula termina e o dialogador se aproxima, devagarzinho, e começa a comentar a aula, acompanhando o professor até a sala dos professores. É um momento de individualização do ensino. O paciente é mais um tipo presente. Ele é paciente no sentido médico. O professor é Dr. Freud e dele o paciente espera conselhos sobre sua vida, trabalho, planos ou qualquer encruzilhada existencial.

Há o spammer, que lota o e-mail do professor com mensagens imensas. Os spammer são inofensivos quando se tem um bom antivírus. Há o citador, que a cada aula manda: “Como dizia Paulo Freire, ‘não há docência sem discência’”. O citador trabalha com palavras-chaves: é ouvir uma que está indexada e disparar de pronto. Se você for professor homem, um tipo típico é a apaixonada. Ela joga charme e o chama de fofo. Quer dizer, não precisa ser professor homem, não… Enfim, as paixões no contexto educacional existem, mas são despertadas mais pelo lugar simbólico ocupado pelo professor do que por suas qualidades pessoais intrínsecas.

Há ainda o follower e friend de redes sociais. Às vezes, o aluno esquece que o professor o segue e fala sem filtros pelos cotovelos digitais. Cutuca o(a) professor(a) e leva cutucão de volta no Facebook. Além, é claro, de assistir à aula com o computador ligado e logado na internet, fingindo que está prestando atenção na aula enquanto bate o maior papo no Gtalk.

Poderia elencar mil tipos, mas é dispensável. Cada professor que faça sua lista. Como entendo deste assunto, só usei o espaço para fazer uma breve colocação, ainda que desconfie que você possa não gostar do texto. Se você discordar, tudo bem: o leitor é quem manda. Só saber que você está me lendo torna meu dia melhor. Qualquer dia desses, digníssimo leitor, a gente conversa e conto minha vida. Tenho certeza que sua opinião vai me ajudar. Por enquanto, a gente se comunica por e-mail. Vou enviar uma linda mensagem de apenas oito megas para você refletir. Porque é como dizia Barthes: “o autor está morto. É o leitor que constrói o sentido de um texto”.  A propósito, sou apaixonado por nossa relação. Peraí! Estão me chamando aqui no Gtalk. É… não tem jeito: somos eternos alunos.

7 comentários em “Eternos alunos

    Carla disse:
    04/06/2011 às 22:10

    Rsrs… adorei (e me identifiquei – por ser professora também).
    Um adendo, com sua permissão?!
    As alunAS não se apaixonam apenas pelos professores homens não, viu… =)

    Luciane disse:
    05/06/2011 às 00:39

    Encantada… eu escolhi ser professora!

    Celeste disse:
    05/06/2011 às 07:40

    Que lindo!!! Esse texto me tocou por um motivo bem especial! O meu eterno aluno é hoje esse escritor que me encanta e me orgulha com cada coisa que escreve! E, ao passo que ia lendo fui te reconhecendo nessa classificação.rs.
    Te enquadras no tipo humilde embora eu sempre ache que sabes tudo.rs.Mas a tua humildade reflete aquilo que eu mais admiro em ti! É exatamente aquela explícita no dicionário:”vem do Latim humus que significa “filhos da terra”. Refere-se à qualidade daqueles que não tentam se projetar sobre as outras pessoas, nem mostrar ser superior a elas”.
    Mas hoje eu me coloco no outro papel. Parafreseando o que escrevestes no texto eu me sinto essa “aluna” reverente. Para mim és “o mestre, digníssimo ou, em caso de reverência suprema, digníssimo mestre, que com tuas sábias palavras sempre muito bem colocadas, me enriquece e me faz uma pessoa melhor! .

    Berenice Corrêa disse:
    05/06/2011 às 10:13

    Hahaha…gostei! Me reconheci em algumas dessas definições…e fiquei pensando em qual (ou quais?) delas vc me identificava. Hoje, compreendo perfeitamente o que é o outro lado da moeda,consigo ver vários alunos meus dentro destes pefis, me inspiro em vc para tornar a minha vida e a deles, bem melhor. Ainda assim, tenho saudades dos tempos em que me aquecia nos seus conteúdos e, principalmente, na fogueira da sua sabedoria.
    Grande abraço de sua eterna aluna =)

    Eulecsandra Lacerda disse:
    11/06/2011 às 10:27

    Me apaixonei pelo seu texto, me fez compreender a fascinação que tenho pela minha professora Elielza. Acredito que o aluno também faça um perfil de cada professor . Seria possível vc escrever algo sobre essa temática?

    Michelle Kely Dray disse:
    13/08/2012 às 12:16

    Amei Serginho! To sempre acompanhando seus textos. Amo! Parabéns mesmo! É bem a cara da sala d aula… E mais uma vez parabéns por “Bilhete” que ainda é o meu preferido. Bjim

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