linguagem
Sobre linguagem e Todes

A primeira-dama Janja, o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e cerimonialistas usaram a palavra “todes” em cerimônias ao longo da primeira semana do governo Lula.
“Todes” não faz parte da norma-padrão da língua portuguesa. No entanto, vem sendo utilizada como uma palavra para se dirigir a pessoas não-binárias — que não se identificam exclusivamente com o gênero masculino ou com o gênero feminino.
A primeira coisa que devemos entender para compreender a questão é o conceito de língua que se sustenta para abordar a questão. Pode-se entender a língua como sinônimo de norma-padrão, a norma de investimento, a linguagem “oficial” que está nos livros, jornais, concursos, revistas, que segue a gramática e suas regras cristalizadas nos compêndios. Se entendemos língua assim, “todes” não cabe. Fim de papo.
Pode-se entender língua, no entanto, como algo histórico e dinâmico, com a oralidade sendo o reflexo mais preciso do seu tempo — a língua muda primeiro na oralidade para muito depois a mudança chegar ao uso na língua padrão. Entender língua assim abre para outras questões.
Uma dessas questões é a de que a língua serve para comunicar, mas que também serve para não comunicar; serve para incluir e para excluir. A língua é, portanto, política em sua natureza. Em sendo política, ela é arena de disputas ideológicas. Logo, o uso de “todes” e de outras palavras e locuções ligadas à chamada “linguagem neutra” — que de neutra não tem nada do ponto de vista ideológico —, é uma marcação, uma tomada de posição política em relação às questões de gênero. Por isso incomoda.
As questões de língua nunca são só questões de língua. São sempre questões sociais. O preconceito linguístico não é contra a língua, mas contra quem usa aquela língua. Vale para palavras, vale para sotaques, vale para grupos em geral. A sociolinguística estuda isso há anos.
“Sim, professor, mas é certo ou errado usar ‘todes’, afinal?”
A pergunta linguística não está na dicotomia certo/errado, mas no binômio adequação/inadequação. Vamos pensar língua como roupa. Todo lugar tem, convencionalmente, um dress code adequado. Uma cerimônia de casamento requer, historicamente cristalizados, certos tipos de roupas. Posso ir de tênis e jeans? Posso. Mas isso vai significar algo, vai gerar um efeito de sentido, desnaturalizando o naturalizado. Se alguém vai a um casamento vestido de tênis, jeans e uma camiseta estampada, o significado pode ser: “estou aqui, mas não concordo com alguma coisa disso e minha forma de me posicionar é desafiando o estabelecido.”
O mesmo raciocínio vale para o uso da língua. Se eu acho que esses pronomes ou termos não me representam e agridem a minha subjetividade, vou protestar não usando mais ou substituindo por outros que os desafiem e que me posicionem politicamente de forma bem clara.
“Mas isso em qualquer lugar e circunstância, professor?” Depende do quanto você está disposto a enfrentar o já estabelecido. Sempre há preços a pagar em lutas contra o establishment, inclusive o establishment linguístico.
Usar “todes” em cerimônias de um governo que se propõe inclusivo em relação aos grupos minorizados é perfeitamente adequado como sinalização linguística de um posicionamento político; bolsonaro — em letra minúscula, como marcação política — não usaria em seu governo excludente.
Usar “todes” na redação de um concurso que define a norma-padrão como regra — a não ser que o tema seja esse — não é adequado para quem quer passar no concurso. “Ah, mas eu quero. Foda-se!”. Ok. Legítimo. Mas vai pagar o preço da reprovação pelo posicionamento político. E ok.
O uso da língua nos posiciona politicamente. Uma luta por espaço político requer tomada de posição e embates, com preços a pagar por aquilo em que acreditamos. O grau de adequação depende de quão desafiadora é a questão: quanto mais desafiadora for, mais incômodo vai causar.
Mas é assim que se mudam as coisas. A língua é, sim, dinâmica, histórica, social. A norma-padrão tem seu lugar e é necessária. Não vamos demonizá-la também. Porém não é o único uso da língua. A oralidade a precede no uso. A escola precisa discutir o que estamos discutindo aqui.
A língua não é estática e acolhe as mudanças sociais, embora sempre o faça com resistência. É o lugar de embates ideológicos por excelência. Aborto/Interrupção de gravidez? Presidente/Presidenta? Golpe/Revolução? Milhares de exemplos de briga pelos sentidos. É só cavucar.
Se o inadequado na língua é o que lhe subjetiva, desafie pela língua o inadequado na prática social até ele virar socialmente adequado e até refletir na língua-padrão. O caminho é longo, a luta é árdua e vão resistir. Requer às vezes ir vestido de Batman para um casamento.
Este governo, ainda bem, deixa entrar o jeans e o cocar numa cerimônia social de posse de ministros. Este governo deixa entrar não só quem detém o poder econômico, mas todos, todas e todes também. Embora meu corretor ortográfico ainda sublinhe aqui ‘todes’ como erro.
“Mas o certo e o errado?” O certo é incluir quem está excluído. Socialmente e na linguagem. E na guerra linguística, como em qualquer guerra, é preciso pensar nas estratégias adequadas para vencer as batalhas.
Há o tempo e o lugar. E há o tempo e lugar. O vale-tudo todo tempo não é inteligente. É isso, por enquanto.
Fiquem bem. Todos, todas e todes.
Sobre a leitura
Toda escrita é um reescrita. Toda leitura também o é. Ler e gostar é se ver sujeito pintado na escrita do outro. Daí o gozo. Ler e não gostar é se ver sujeito flagrado na escrita invasora. Daí a necessidade de reagir na autodefesa de seus avessos secretos. Ninguém lê impunemente. SF
Zonas da linguagem
“No mapa da linguagem há zonas. A zona branca é a do sentido sem disputa. Todos se olham e se entendem. Não precisa de dicionário porque todos os sentidos são iguais para todo mundo. O mundo é absoluta e monocromaticamente branco; Há a zona negra. A zona negra é a do sentido em disputa. Lutas, guerreiros, mercenários… todos querem que o seu sentido prevaleça sobre o sentido dos outros. Empurram goela abaixo sua compreensão do mundo pela palavra. Cortam-se cabeças para que uma compreensão apague as outras. Tribos impõem sua palavra com seu entedimento aos outros sempre e o tempo todo. O dicionário é necessário para desambiguizar a polissemia em agonia. É um mundo negro da fumaça dos rescaldos semânticos; E há, por fim, a zona cinzenta. Nem branco, nem preto. Na zona cinzenta o sentido não está em disputa, mas em oferta numa multiplicidade caleidoscópica de cores, sabores, sentidos. Flutuam nos ares e nos rios, reclamando sujeitos que os apanhem para si. É por onde andam os poetas, os apaixonados, os artistas, os enamorados… É onde tudo pode ser e não pode. É onde a deliciosa possibilidade dúbia mora. Todas as ruas dos sentidos na zona cinzenta da linguagem são bifurcadas, trifurcadas, polifurcadas. E todas levam aos lugares certos… dicionários são cardápios…” SF
Jogando o gelinho
Eu cheguei, eu comecei agitar/Vi a galera com o braço pro ar/com o DJ fazendo o povo dançar/Eu vi , aquela menina passar/com o corpinho pra se apaixonar/fiquei jogando gelo pra ela me olhar/Eu vi, ela passando eu vi,Ela dançando eu fiquei só/Jogando gelo/ Vai Vai Vai eu jogo um gelinho/vai vai /Eu quero um beijinho/vai vai Eu quero um amor/Vai Vai Vai eu jogo um gelinho/Vai Vai Eu quero um beijinho/Vai Vai eu quero um alô/Eu vi, ela passando eu vi, Ela dançando eu fiquei só jogando gelo…
O mundo gira e a Lusitana roda. Se você tem menos de trinta anos talvez não entenda a frase, que veio da publicidade. Lusitana é uma empresa de transportes. A frase se tornou popular com o significado de que “o mundo dá voltas”, “a vida segue”, “os tempos mudam”, em um daqueles lances da publicidade que grudam e se incorporam na cultura brasileira. Como tudo na linguagem, expressões são assim, dinâmicas. Vêm, vão, apagam-se as histórias e a memória que as criaram. Eu gosto da memória.
Em geral, as pessoas têm a tendência de tratar com carinho o passado. Sou um nostálgico. Amei “Meia-noite em Paris”, do Woddy Allen, para você ter uma ideia do que estou falando. Acabo de curtir e compartilhar no Facebook uma foto da primeira versão do Sítio do Pica-Pau Amarelo. Marmelada de banana, bananada de goiaba, goiabada de marmelo. É gostoso evocar um tempo de felicidade. Cada um de nós tem seu álbum de memória afetiva, com seus Sítios, Menudos, He-mans e Barbapapas. Mas a vida não é feita só do passado. Ela é feita do presente, que, não esqueçamos, depois vira passado.
Se por um lado sou um nostálgico assumido, por outro sou um curioso pela vida que se apresenta. Não me permito morar no tempo que se foi. Para mim, o tempo que se foi é o meu lugar favorito para passear. Mas é no presente que você vê a vida acontecendo. Sampleando a frase famosa, dá para dizer que o presente não é mais como era antigamente. Por que mesmo que estou falando disso tudo? Pergunta justa, caro leitor impaciente.
Na minha época de jovem paquerador, eu geralmente usava a música e as palavras para chegar junto de uma menina. Eu era muito tímido para cair matando, como faziam uns amigos meus, cuja determinação e pegada eu admirava. Tudo bem que para certas coisas um pré-requisito conta: os caras eram bonitos e eu nunca fui. Então, eu tinha de compensar de outra forma. Preferia deixar subentendido. Sempre gostei de dar flores, escrever bilhetinhos, fazer sonetos. Eu e outros meus irmãos homens somos feito dessa massa. Culpa da minha mãe. Preferimos o jeito à força. Mas o mundo gira e a Lusitana roda. E os tempos mudaram.
Na era de redes sociais, em que a linguagem é o fio que conecta a rede, as formas de conquista vivem guinadas e reconfigurações interessantes. Os sentidos do carinho que se busca e se oferece ganharam novas formas. Eu cheguei a mandar telegrama de amor. Hoje, o telegrama de amor vem em forma de um tweet solto no Twitter, de um reblog no Tumblr ou de um curtir no Facebook. Dizemos para alguém que seu sorriso nos encanta – ainda que jamais o tenhamos visto ao vivo – numa mensagem compartilhada ou em um emoticon no inbox. Curtimos fotos postadas em tempos atrás para sinalizar que estamos ligados, stalkeando por atração. A mensagem é “estou passeando por você”.
Em tempos digitais, a atração se dá de forma invertida do que se dava nos tempos do ronca. Antes, o aspecto físico tinha um peso bem maior do que tem hoje. Àquela época, a coisa era tête-à-tête. Hoje mudou: é mouse-a-mouse. Por isso, nos apaixonamos pelo que a pessoa é, diz, pensa, comenta, ama e odeia para só depois prestar atenção no físico. E antes que os comentadores pulem no meu pescoço me criticando, eu esclareço: não estou dizendo que a atração física não conta. Claro que conta. É biológico. Até motiva o primeiro clique. O que estou colocando como ponto de reflexão é que os tratos pessoais desempenham uma função bem mais determinante agora do que nos tempos da Chispita. Isso é fato. Amores de internet tendem a dar mais certo porque surgem de encontros de alma primeiro e só depois vão para o corpo. Essa ordem é sempre mais garantida. Enfim, meu ponto aqui é de que talvez hoje, com as redes, eu tivesse mais chance com a Margareth, de quem levei um fora federal, do que o Arlino, por quem ela foi apaixonada. Ele era mais bonito. Não tinha internet. Fazer o quê? Se fosse hoje… oops! A Margareth está no meu Face! =P
Curtir, compartilhar, comentar, silenciar sobre um post. Tudo isso adquire um novo sentido quando se trata de conquista. Os internautas vão construindo sentidos compartilhados só pelos dois à medida que os mouses clicam. Sem jogar abertamente, o que estragaria o lindo processo da sedução, ambos vão se conhecendo, criando códigos, apontando caminhos, sinalizando positiva ou negativamente. Há posts que se escreve esperando uma curtida específica, que quando acontece faz a gente lamentar que o Facebook não tem a necessária opção “curtir a curtida”. O mundo digital está definindo sua semântica dos afetos. Nós, sujeitos da linguagem, estamos construindo o discurso dos afetos nesse mundo neste exato momento. Ele vem para expandir o que já sabemos – ou não – no mundo analógico, na vida fora do computador.
As coisas mudam. Um dia lá atrás, abria-se a porta do carro para a dama. Num outro, tempos depois, fazia-se tatuagem para marcar no corpo a prova do amor. No ciberafeto, transforma-se em bits & bytes os frios na barriga e manda-se pelas ondas digitais. Há pessoas que preferem a pegada direta. Há pessoas que pessoas que preferem ficar na zona cinzenta do sentido.
O mundo gira e a Lusitana roda. Fato é que quando a pessoa que mexe com a gente passa, seja perto da mesa, seja na nossa linha do tempo, o mundo para. E cada um tem a sua forma particular de ficar jogando o seu gelinho.
Os olhos veem de onde os pés pisam
As pessoas leem nossos atos com suas referências. Por padrão, pensam que o que nos motiva seria o que as motivaria se estivessem em nossos sapatos. A linguagem, essa linda, apaga isso para o sujeito, que se esquece filiado a uma rede de sentidos prévios: os discursos. Por isso a gente fala que as pessoas “dão sentido” a um fato, uma frase, um texto. Os sentidos já estão nelas. São apenas disparados pelos fatos, pelas frases, pelos textos. O velho do rio só acha o que ele deixou lá…
Códigos de Família
Não é novidade para ninguém que gosto de ler. Muito e de tudo. Até anúncio de missa de sétimo dia. Com a Internet, as possibilidades de leitura se multiplicaram. A informação hoje chega invadindo nossos olhos e mentes por todos os lados.
Ler numa tela é algo tem melhorado com a tecnologia, mas não há nada como um bom livro. Tenho um iPad e o uso para ler de vez em quando. A despeito da proliferação dos “e-books”, o livro é insubstituível. Comprar e cheirar livro novo é um prazer inigualável. Só quem cheira sabe. Compro muitos livros. Precisaria me converter ao espiritismo para poder ler todos eles. Umas três vidas, no mínimo, para ler tudo. Depois de devidamente cheirados e incorporados ao acervo com meu nome, data e local, os ponho para repousar na cabeceira da cama, em uma pilha. Os livros se multiplicam com uma fertilidade nordestina. O que estava na vez e que serve de mote para este escrito é o de Zélia Gattai, cujo título é “Códigos de Família”.
Peguei o livro da pilha às dez e o devolvi, completamente lido e devorado, às duas da manhã. Que livro delicioso. Tão bom quanto um sorvete Hagen-Dazs de morango ou uma boa chupada em um maracujá-do-mato. Gostei dos dois livros que li escritos por Zélia, “Anarquistas, Graças a Deus” e esse. Mas esse é melhor. O livro narra a origem dos vários códigos de família da família de Jorge Amado. Como disse, é delicioso. Vale a pena como presente, nem que seja autopresente ou presente-armadilha (aquele que a gente dá para o cônjuge, mas que quem usa é a gente).
Toda família tem seus códigos, expressões e gestos que só são compreendidos pelos seus membros. Os forasteiros ficam com cara de bobos tentando entender uma frase que contem uma expressão que só os que conhecem a história captam. Lendo os códigos da família Amado, fiquei tentando lembrar os códigos dos Freire de Souza. Depois, refletindo, percebi que cada família poderia fazer um dicionário trazendo manifestações da deontologia familiar.
Resolvi, então, abrir a caixa-preta. Vou começar escrever sobre os códigos de minha família e contar as histórias que os originaram. Em alguns casos, talvez, mude o nome dos envolvidos para evitar uma reedição baré de Caim e Abel.
Abater nos megas. Nos primórdios da computação, quando um pente de memória RAM custava os olhos da cara e mais o lóbulo das orelhas, decidi fazer um upgrade. Passei meu poderoso XT de quatro megabytes de RAM para oito. Desfiz-me de quatro pentes de um mega e coloquei dois pentes de quatro. Sensível diferença. O que fazer então com os quatro pentes de um? Vender, lógico. Vendi para o Paulo, meu irmão mais velho. Hoje digito no meu computador de 8 Giga de RAM o causo do calote dos megas. O Paulo nunca pagou. E, cara-de-pau, ainda fez vários outros negócios comigo. Logo depois, vendi outra coisa de que não me lembro para ele e ele me saiu com a proposta: “Seguinte: em vez de eu te pagar tudo em dinheiro, abate nos megas”. Desde então, abate nos megas virou sinônimo de negócio feito cujo vendedor sabe que jamais verá a cor do dinheiro. Exemplo: “Estou precisando de um cartão de memória. Tem um aí?” “Tenho. Quando é que tu me pagas de volta?”. “Ah, abate nos megas”.
Coça o dente. Tenho um primo-irmão, o Junior. O apelido dele é Nirou. A etimologia do apelido é a seguinte: quando era menor, o Nirou apareceu com um corte de cabelo de cuia, parecido com a cabeleira do Stênio Garcia em “A Muralha”. Como a minissérie ainda não passava, o que mais perto chegou para comparar era a cabeleira do famoso colunista social baré Little Box, o Caixinha, brutamente assassinado. Passamos, então, a chamar o Junior de Little Box e depois só Little. A língua muda e, para a alegria do deputado Aldo Rabelo, o Little foi aportuguesado e virou Nirou. Pois bem. O Nirou namorava a Jana há uns doze anos então. Com o tempo, sabe como é, as pessoas começam a pressionar o cidadão para parar com a enrolação e casar. O Nirou também passou por isso. Em um aniversário lá em casa, o assunto caiu em casamento. O Nirou só olhando, encostado na porta, esperando o povo cair matando. De repente, alguém vira à queima-roupa e pergunta: “E tu, Nirou? Quando vais casar com a Jana?” O sorriso do Nirou foi mais amarelo do que bunda de japonês com hepatite. Ele olhou, riu, coçou o dente e disse: “Ãh? Tão falando comigo?” Mas foi tão falso que ele mesmo comentou, imediatamente: “Ih, ó, olha eu disfarçando… até cocei o dente…” A gargalhada foi geral. Quando então alguém pergunta algo embaraçoso na frente dos outros, algo com o qual o coitado se enrola todo, ficando mudo, o coro vem em uníssono: “Ai, ai… coça o dente, coça o dente!”. O Nirou, a propósito, parou de coçar o dente e casou.
Victor Shaft. Minha irmã Paula namorou um velho piloto da VASP (VASP! Pra você ver como ele era velho). Para se ter uma ideia, meu pai, sacaneando, falava que ele pensou várias vezes em deixar a beldade se servir primeiro no jantar e dizer: “o senhor primeiro, que é mais velho”. Todos estávamos preocupados com as intenções do seu Barrote (nome fictício, claro). Mesmo com todos os “olha!” e “cuidado!” da família, a Paula fez o que sempre faz, ou seja, o que quer. Passou um tempo, o Barrote sumiu. Claro que ele notou que os olhares para ele, nas visitas lá em casa, eram meio enviesados. Um belo dia, chega lá em casa uma carta para a Paula cujo remetente era um tal de Victor Shaft. Eu recebi a carta. Olhei para aquela papagaiada, joguei em cima da mesa e disse para minha mãe: “Esse Barrote pensa que a gente é leso. Será que ele acha que a gente não sabe que essa carta é dele?” E lá em cima da mesa ficaria a carta até a Paula chegar e pegar. Mas antes, chega o Paulo e vê a carta. Levanta, olha para mim e para minha mãe e diz: “Isso é bem presepada do Barrote!” Uns quinze minutos depois chega o Mauro, meu outro irmão. Examina a correspondência para ver se não tinha nada para ele e, ao ver a tal da carta, olha para gente com um olhar de reprovação e diz: “Barrote…” Quando a Paula chegou, dissemos: “Paula, chegou uma carta do Barrote pra ti. Só que ele assinou Victor Shaft”.Ela abriu e não é que era mesmo dele. Os três macacos velhos tinham sentido o cheiro da macacada do Matusalém de longe… Quando alguém quer ficar anônimo, o código é Victor Shaft. “Manda uma carta esculhambando com ela e assina: Victor Shaft”.
32 canais. Não queira participar de uma discussão lá em casa. Todo mundo tem razão. Sempre. Um belo dia, estávamos falando de aparelhos musicais. O Paulo, que é músico, disse que queria comprar uma mesa de som e que ela custava X reais. A Paula, querendo entrar no papo, como se fosse “A” engenheira de som, disse: “Não… essa mesa está cara demais!” O Paulo, respondendo, disse: “Tá não. Tá é barata!” “Tá cara!” Ficaram nessa de tá cara, tá barata, tá cara, tá barata… Até que o Paulo disse: “Tá barata! É de 32 canais!” Aí a Paula deu o braço a torcer, concordando… “Ah, bom! 32 canais! Tudo bem…” “32 canais” virou o código para você dizer “Bom, aí o papo é outro…”.
Vou parando por aqui porque a minha tia Céu acabou de engatar uma terceira. Mas esse código eu explico numa próxima. Aí são 32 canais. E a sua família? Tem algum? Conta pra gente aí!
De smoking ou de Smurf?
Escrito para o site do Deputado Chico Preto.
Um artigo do IG causou um grande alvoroço e muita discussão sobre a língua portuguesa nessas últimas semanas. Para quem estava em Marte, um resumo: uma jornalista abriu um livro didático de língua portuguesa (Por uma vida melhor, de Heloísa Ramos), viu que lá dizia que “nós pega o peixe” também é língua correta e passou a dizer que tanto a autora do livro quanto o MEC, que o distribui em escolas públicas, estavam ensinando os alunos a falar errado.
Sou linguista. Ou seja, tenho formação para meter meu bedelho nessa confusão. E sou professor. Ou seja, me sinto na obrigação de esclarecer a coisa toda do ponto de vista de quem estuda a linguagem. Outros linguistas também o fizeram, como Sírio Possenti (UNICAMP) e Marcos Bagno (UNB). Assino embaixo, mas quero assinar em cima também.
Do ponto de vista técnico, o livro está correto. “Nós pega o peixe” é uma construção utilizada por muita gente na oralidade. Portanto, é língua. Língua é tudo aquilo que sai de sua boa e comunica. O livro diz – mas a matéria não diz e muitos dos que repetiram seus argumentos sem ver o livro também – que a frase está correta, porque comunica, em determinados contextos. E continua dizendo que para outros contextos é necessário o sujeito utilizar a “norma culta”. Eu prefiro usar norma “padrão” em vez de “culta” porque é menos valorativa (como se as outras formas fossem “incultas”, numa relação rasa entre variação e cultura). Veja o livro aqui.
A norma padrão é uma das variações da língua portuguesa. Extremamente importante, a padrão é a norma de investimento social. É a variedade das revistas, dos jornais, dos contratos, da regulação social. Acontece que essa variedade, diferente da oralidade (um item de fábrica do ser humano), precisa ser adquirida. E só vai ser adquirida de forma sistemática na escola. Portanto, é função da escola ensinar a norma padrão. “Ah, então o livro está ensinando errado!”. Calma lá!
Entra aí uma questão metodológica e conceitual do que é língua. Ensinar a norma padrão pode ser feito de várias formas. Uma delas – a mais comum – é pelo ensino da sua gramática normativa. O conceito é de que estudando a gramática se aprende a língua. É a crença em que saber o que é uma oração subordinada sindética adversativa vai fazer o aluno a falar e escrever melhor. É como decorar bula de remédio para querer ser um bom médico ou memorizar as leis para querer ser um bom advogado, forçando a barra na comparação. O objetivo não se atinge ou se atinge de forma capenga, penso eu. Um bom médico, um bom advogado e um bom falante de sua língua precisam muito mais do que saber sobre. Precisam saber articular tudo isso no uso real. É disso que o livro fala.
A autora afirma que existem variações linguísticas – e existem – e que dentre elas a norma padrão é imprescindível – e é. Afirma também, com outras palavras, que é preciso aprender a norma padrão utilizando não a decoreba da gramática, mas as outras linguagens pelas quais o aluno já circula. É de uma lógica cristalina para quem é professor: quanto mais eu uso o que o aluno já tem, melhor será a minha aula. É Paulo Freire: se o aluno não sabe tudo, ele não ignora tudo. Inclusive em termos de língua.
Mas então, por que tanta confusão?
A confusão começou com a falta de informação. Se tivesse feito o dever de casa e ouvido qualquer linguista – o que a mídia pouco fez e quando fez o fez para desconstruir a opinião –, a jornalista que fez a matéria iria perceber que sua pauta seria outra: a diversidade linguística na formação do cidadão. Assim, do jeito que saiu, a matéria acabou dando sustentação a um discurso de que há uma língua que presta e uma que não presta, o que para a linguística é uma compreensão há muito superada. Quem concorda com essa visão e nela embarca com todos os seus pertences e de óculos Ray-ban acredita que a língua portuguesa é monoliticamente aquela descrita nas gramáticas normativas, que prescrevem normas do certo e do errado, dizendo como o sujeito deve falar em qualquer situação.
Quanto ao “preconceito linguístico” de que fala a autora, eu tenho umas notas. O livro afirma que falar “nós pega o peixe” está certo porque serve para comunicar em determinadas situações de fala e em outras não. Seu uso inadequado pode levar o falante a ser vítima de “preconceito linguístico”.
Em linguagem, nunca se julga a língua, mas sim os seus falantes. Dizer que não gosta do sotaque nordestino é reconhecer simbolicamente que os nordestinos, como povo, incomoda por algum aspecto. Não adianta refutar: é simbólico, portanto inconsciente. O mesmo vale para a situação em discussão. Como a variante do “nós pega o peixe” é utilizada por quem geralmente não teve acesso à norma padrão pela escolaridade, a utilização desse tipo de linguagem remete a uma ressalva de classe. E isso não é papo de linguista “boçal e petista”, como afirmou boçalmente um articulista n’O Globo, politizando com a política pequena uma discussão que é política em mérito. Só para informação dos afoitos, pensar sociolinguisticamente nos livros didáticos, um avanço, foi introduzido na época em que Paulo Renato dirigia o Ministério da Educação, na era FHC. Não é coisa do “Lula que quer que todo mundo fale errado como ele”, como li por aí e alhures. O preconceito é real porque se funda no já falado discurso da língua que presta e língua que não presta. É gente que presta e gente que não presta. Os diferenciados linguisticamente, para usar um termo da moda.
O embate é discursivo. Um discurso – que é o que circula mais – diz que o português é feito exclusivamente da norma padrão e essa norma deve ser usada 24 horas por dia, sete dias por semana. Entraram defendendo esse discurso o gramático Evanildo Bechara, o presidente da Academia Brasileira de Letras, o presidente do Senado José Sarney e boa parte da mídia. Outro discurso, no qual eu e as ciência da linguagem nos inserimos, diz que a língua é rica, dinâmica, plural. Reconhece que a sociedade elege uma variante para ser a norma padrão e que sem ela o cidadão não circula com cidadania linguística. Sabe que o lugar para aprender isso é na escola, mas não de forma gramatiqueira ou chata, mas com todos os elementos de linguagem disponíveis para que o professor atinja seu objetivo junto ao aluno. Identidade se faz por alteridade: uma norma só é padrão porque outras que existem não são. Fica mais fácil, não?
Passando a régua: como qualquer língua natural, a língua portuguesa é feita de diversidade. Língua é roupagem, é adequação. A norma padrão é a roupa de aceitação social. O alfaiate dessa roupa social é a escola. Mas às vezes tem festa a fantasia. E não dá para ir vestido de smoking onde só tem gente vestida de Smurf, Bob Esponja e Teletubbies. Assim como não dá, em uma festa de casamento, para chegar vestido de Super-homem ou pintado de verde, que nem o Hulk. Até dá. Mas fica ridículo. Quanto mais roupas linguísticas o sujeito tiver em seu guarda-roupa, sendo um poliglota em sua própria língua, mais efetivo ele será como cidadão. Pense aí. E fala sério: você percebeu o pronome oblíquo átono iniciando frase lá em cima no segundo parágrafo do meu texto?
Em tempo: acrescentei a entrevista do Prof. Ataliba Castilho sobre o assunto. Ele mata a pau a questão:
Quando a água é muito limpa…
O ser humano é um animal na natureza, como animais são o peixe e o pássaro. O pássaro está programado para voar e o peixe pra nadar e nós, humanos, estamos programados para falar. Possuímos a capacidade inata da linguagem. Diferente da dos outros animais, a linguagem humana é simbólica e, por isso, aprendemos com o idioma valores éticos, morais, jurídicos, enfim, uma série de parâmetros que vão guiar nossos atos para vivermos em sociedade. Aí começa a coisa.
Não podemos, como fazem os demais animais, dar vazão aos nossos impulsos e desejos na hora em que eles aparecem. Não podemos nos apropriar do bem alheio, da mulher do próximo, dizer tudo que desejamos, fazer o que nos dá na telha. Somos bloqueados nessas vontades. Confessemos: queremos muitas vezes, mas não podemos. Estamos limitados pelos filtros sociais que a linguagem nos impõe. É a linguagem que separa o homem da natureza. Até aí parece tudo normal, não é? Parece, mas há um detalhe.
O detalhe é que esse desejo não realizado, que se chama pulsão, não se apaga. Ela vai para algum lugar, uma espécie de gavetão do proibidão. É lá nesse gavetão, chamado inconsciente, que os desejos reprimidos ficam armazenados. Mas por serem pulsões, pulsam inquietos doidos para sair de lá. Como na lei da física, as pulsões vão se acumulando e o espaço vai ficando pequeno demais para tanta vontade reprimida, recalcada. É preciso aliviar. Como vem o alívio?
Quantas vezes você se pega surpreendido por si mesmo dizendo coisas ou nomes que não deveriam estar ali naquela frase? Atos falhos e lapsos são o tchiiiii da panela de pressão. É por um nome dito foras de hora ou por meio de uma frase que foge ao controle da consciência da linguagem que os desejos acham os seus caminhos para fugir da prisão do inconsciente. Sacou por que você chamou o seu namorado atual pelo nome do ex ou a sua mulher pelo nome daquela gostosa que você queria pegar? Entendeu a razão de aquela palavra vir ali por conta própria lhe embaraçando todo e lhe embaralhando a vida? Pois é. É o tchiiiii.
Mas são os sonhos os melhores palcos da vazão do recalcado. Quando dormimos, abrem-se as porteiras dos desejos e dançam-se os bailes funk do proibidão do inconsciente. Por isso você aparece em lugares que você de alguma forma quer e não pode estar, fazendo coisas estranhas que seu eu consciente nunca faria, com pessoas que os seus filtros jamais deixariam contracenar com você na vida real. Não por falta de vontade, mas por falta de possibilidade social. Vale tudo no sonho. Mas a mente é esperta e nem sempre entrega tudo de bandeja. Às vezes ela metaforiza coisas por pessoas e pessoas por lugares. Fazer amor com o presidente Lula no sonho pode representar uma vontade reprimida de dormir com o poder. Péssimo exemplo, reconheço. Desculpa. Cobrir alguém do Twitter de porrada no sonho representa uma resistência ao próprio Twitter por algum motivo ou pode ser ciúme dessa pessoa pura e simplesmente. Freud dizia que um charuto às vezes é só um charuto mesmo.
O meu ponto aqui neste texto é o seguinte: pela linguagem usada, podemos ler muito mais do que um idioma. Podemos ler o próprio sujeito e seus desejos. A linguagem vaza os desejos contidos. Saber ler essas marcas, os tchiiiiis, revela muito das pessoas com quem convivemos. Quando a gente diz, a gente sempre se diz junto.
O Twitter é um prato cheio para análises. Se tivesse som, seria uma sinfonia de tchiiiis. Os RTs quase sempre são desejos reprimidos sendo falados pelos outros. Eu não posso falar algo, mas pego carona em alguém que falou e me digo por ele, aliviando minha pulsão. DMs são pulsões seguras, que morreriam de medo de passear pela timeline. Mas nós mesmos nos traímos em 140 caracteres e vez por outra largamos algo que não era para sair, mas que encontrou seu caminho. E algumas pessoas conseguem ler o tweet aparentemente sem nexo, solto, sem sentido. Porque ele é grávido de sentidos, ligado a uma rede de memória que veio antes e que vai continuar depois. Todo sentido vem de um lugar e aponta para outro. Ninguém usa a linguagem impunemente. É isso.
Termino com esse tweet que pesquei agora: “Quando eu era criança, às vezes eu falava sozinho e todos me chamavam de louco. Eu cresci, agora não é mais loucura. Tá na moda, é Twitter”. Twitter, é vero, não é a loucura. É mais uma forma de não explodir as pulsões confinadas. Tem gente que come, tem gente que faz sexo, tem gente que joga. Tem gente que acha defeito em tudo, tem gente que tuíta. E tem gente que escreve.
Diz a letra de Há tempos, do Legião Urbana: “Lá em casa tem um poço, mas a água é muito limpa…”. Não me iludo. Sob a água limpa, há a não potável que mata a sede. Eu me escrevo aqui. Você já aprendeu a me ler, leitor? Qualquer coisa, DM 😉
Seminário de Jornalismo
Hoje eu falei no XVI Seminário de Jornalismo da Amazônia. O tema foi “Mídias Sociais e seu impacto na Comunicação”. Esse é o assunto com que venho me preocupando como objeto de pesquisa junto ao Mestrado de Ciências da Comunicação da UFAM, do qual sou professor.
Parte do que falei se encontra no artigo “As redes sociais e a liquidez na Sociedade 140 bytes: sob os olhos da Coruja de Minerva”, que está disponível para download.
Gostei demais.
Aqui está a apresentação que usei. Valeu!
Certas coisas
Texto escrito originalmente para o Portal D24AM.COM.
Não existiria som se não houvesse o silêncio/Não haveria luz se não fosse a escuridão/A vida é mesmo assim: dia e noite, não e sim./Cada voz que canta o amor não diz tudo o que quer dizer/Tudo o que cala fala mais alto ao coração/Silenciosamente eu te falo com paixão…/Eu te amo calado como quem ouve uma sinfonia de silêncios e de luz/ Nós somos medo e desejo/Somos feitos de silêncio e som/Tem certas coisas que eu não sei dizer…/ A vida é mesmo assim: dia e noite, não e sim…
Há uma palavrinha que eu adoro: oximoro. Segundo seu Aurélio, oximoro é uma figura de estilo que consiste em reunir palavras contraditórias: “silêncio eloquente”, “valentia covarde”, “inocente culpa”. Gosto dessa palavra porque ela traduz a essência da linguagem, porque em si carrega a poesia pura das contradições dos sentidos que habitam em cada um de nós. É “a ferida que dói e não se sente”, é “o contentamento descontente”, é “a dor que desatina sem doer”. Nada mais vivo do que “um andar solitário entre a gente”, do que “nunca contentar-se de contente”, do que ver “um cuidar que ganha em se perder”. Camões rulez.
Na completude que traz em si, o oximoro é denso de sentido. Um “silêncio eloquente” diz muito mais do que dez mil palavras proferidas. Uma “valentia covarde” põe às claras a vontade de enfrentar quixotescamente a batalha mais perdida. Uma “inocente culpa” mostra a contradição linda do fazer pueril, algo de dentro, com o peso da cobrança imposto ao ato, algo de fora. Como são eficientes os chinesinhos semanticistas dentro de nós: Yin e Yang.
Nossa identidade é um oximoro. Somos porque não somos outra coisa. O silêncio faz parte da identidade do som, a escuridão é que permite que a luz seja. Dia sem noite não existiria, assim como o sim não teria seu sentido se não houvesse o não para lhe conferir a identidade por sua ausência. O que seria do bem sem o mal a lhe provocar as benemerências? É pelo outro, pela alteridade que a identidade do um se faz. Como diz o poeta Manoel de Barros para matar a pau: “Tem mais presença em mim o que me faz falta”.
Nossa vida é um oximoro. Viver no oximoro é se permitir desdicionarizar a vida. É se permitir sair do sentido fixo, congelado, da existência dura e seca, e habitar a movência, o movimento, a inquietude do sangue fervente que corre nas veias da nossa história. É ser som e é ser silêncio. É ser dia e é ser noite. É ser sim e é ser não. É falar silenciosamente com paixão. É amar calado, ouvindo a sinfonia de silêncio e de luz. É ter medo e desejo. Porque há um espaço de sobreposição nas fronteiras dos sentidos, o oximoro não confia no seu Aurélio.
O sentido é um oximoro. Entre o preto e o branco é o cinza que me acolhe mais confortavelmente. No cinza, eu sou preto. E eu sou branco. E não sou nenhum. O oximoro é a adolescência dos sentidos: nem criança, nem adulto. E ambos. O oximoro traz na sisudez da antítese a molecagem da linguagem, brincando de pique com os sentidos, que correm soltos gargalhantes e sem gargalheiras.
Ler a música de Lulu, além de ouvi-la, nos lembra isto: a linguagem encontra seus meios, não esquece seus inícios e chega a seu fim, dizendo o que quer dizer. A nós, instrumentos da linguagem, é que vez por outra falta a palavra, escapa a forma de dizer falando ou escrevendo. O que não é ruim. É assim. Há fatos tão intensos que só os compreendemos na absolutidão do silêncio. A falta constitui a presença também. E aí nos resta o silêncio. “Só uma palavra me devora: aquela que meu coração não diz”.
Confesso aos meus dezessete leitores: tem certas coisas que eu não sei dizer. Aí a linguagem assume de vez o comando com seus silêncios eloquentes. E como ela dá conta do recado…
A linguagem é uma deusa endiabrada.