poesia
Plenos delírios
Para um flerte secreto: o medo
Para quem a gente gosta: é cedo
Para o primeiro momento: o não
Para carinho primeiro: a mão
Para falar de amor: a lua
Para o desejo insano: a nua
Para a barriga medrosa: o frio
Para apagar o fogo: um rio
Para o beijo roubado: a boca
Para a monja indecisa: a louca
Para abrir a coisa: a senha
Para palavra-passe: o venha
Para manter acesa: a chama
Para a hora perfeita: a cama
Para dizer que te quero: a voz
Para plenos delírios: nós…
Soneto do mês de agosto
As férteis palavras se oferecem à toa.
Nenhuma é capaz de dizer o que sinto.
Nem drogas, nem álcool, nenhum vinho tinto
É alívio da dor que eu não quero que doa.
No peito pequeno o coração chora
Por ser incapaz de manter a alegria.
Promessa quebrada de um tempo de outrora
Promessa que eu que te fiz outro dia.
Vontade que tenho pelo sono eterno
Que leve e apague esses tempos tristes
Que seque essa lágrima que desce em meu rosto…
Meu peito, no entanto, quer manter-se terno
Para dar-te de novo um tempo que vistes
Mas que não me passe desse mês de agosto…
Soneto de julho triste
Hoje eu vi o sol nascer
E o sol, ele me viu chorar
Viu meus filtros esvaecer
A minha dureza avoaçar
Ficou com pena de mim
Passou a mão em meu rosto
Me consolou, tudo, enfim
Jurou que muda em agosto
Com muita dó, muita pena
Secou minha lágrima amarga
Com um dos mil raios seus
Mas minha tristeza em cadena
Era-lhe tal sobrecarga
Secar com ela só Deus…
[20.07.2012, num julho triste.]
Ao Sol de Manaus
Sol, meu quente sol de minhas manhãs
Brilhosas, implacáveis e queimantes,
Com seu calor de uma febre terçã
Fica incitando ao jogo os amantes.
Quem és tu, ó mágico xamã,
Que encanta em sensações dessemelhantes
E enlouqueces as moças, as cunhãs
Fazendo eternos brevissímos instantes?
Fogo do céu? Calor em rios de raios,
Tu me torturas com ardência de tuas asas
e tu me jogas um inferno sobre peito!
És um sádico, maltratando teus lacaios…
Mas meu desejo, com teu sopro tu abrasas:
A minha vontade de tê-la no meu leito.
Quero-quero.
Quero a pausa do silêncio. Quero a melodia da música.
Quero a segurança do Mac. Quero a universalidade do Windows.
Quero a afetuosidade de Vinícius. Quero a deslinguagem de Manoel de Barros.
Quero o gás do jovem. Quero a serenidade do velho.
Quero o pique do moço. Quero a boca da moça.
Quero o frio do inverno. Quero o calor do inferno.
Quero a porralouquice da esquerda. Quero a paz-de-espírito da direita.
Quero a novidade do mundo. Quero a oca da taba.
O que interessa não é o objeto direto. Mas o verbo. Eu quero.
Quero a refrescância da coca-cola. Quero o laço social do café.
Quero o perfume francês. Quero o aroma da mulher.
Quero a rapidez do e-book. Quero o cheiro do livro.
Quero a companhia de todos. Quero o momento só meu.
Quero a direção certa do rio. Quero a espalhafatosidade do mar.
Quero a suntuosidade do Taj Mahal. Quero o à-vontade da cabaninha.
Quero o cuidado da noite. Quero o desleixo do dia.
Quero a fugacidade de um Tchan. Quero a eternidade dos Beatles.
O que interessa não é o objeto direto. Mas o verbo. Eu quero.
Quero a confusão constitutiva do inimigo. Quero o silêncio entendedor da amizade.
Quero a cumplicidade do amor. Quero o descompasso do sexo.
Quero o abraço gratuito de filho. Quero o deslimite das mães.
Quero o brilho ofuscante do sol. Quero a ternura que emana da lua.
Quero a fidelidade cega do cão. Quero o olhar escrutinador do gato.
Quero o cheiro da bata da mãe. Quero o orgulho inchado do pai.
Quero o aconchego do conhecido. Quero o sabor do inédito.
Quero o entalo do invejoso. Quero a cumplicidade sincera do admirador.
Quero a beleza da Ingrid Bergman. Quero a bandideza da Bonnie.
Porque o que interessa não é o objeto direto. Mas o verbo. Eu quero…
Quero o sono do jovem. Quero o despertar cedo do velho.
Quero a doçura do mel. Quero o ardor da murupi.
Quero a downloadibilidade do MP3. Quero o charme do LP.
Quero o eco da oração. Quero o coro do juiz ladrão.
Quero a tradição do Aurélio. Quero a terminologia do Houaiss.
Quero a chiqueza das mesóclises. Quero a liberdade da oralidade.
Quero o café do Negro. Quero o leite do Solimões.
Quero a sossego do casamento. Quero o plantão das ficadas.
Quero os olhos da Betty Boop. Quero os lábios da Angelina Jolie.
Quero a sedução do perfume francês. Quero o beijo com gosto de cerveja.
Porque o que interessa não é o objeto direto. Mas o verbo. Eu quero.
Quero a tese. Quero a antítese. E de quebra quero a síntese.
Quero a firmeza das raízes. Quero as possibilidades das asas.
Quero o pensamento da leitura. Quero a reflexão do livro que se fecha.
Quero a majestade do Sabiá. Quero o chafurdo na lama do Quero-quero…
Gotas Bailarinas
Sérgio Freire
Da torneira velha, ferrugens do tempo,
Semiengasgada de água a jorrar,
Brotam gotas novas, a seiva da vida,
Que, adormecidas, saem a dançar…
São as mãos da moça que abrem a torneira
Em seus movimentos, giro circular.
Entre seus barulhos, gritados ao vento,
Das suas entranhas, sem eira nem beira,
Uma água viva começa a vazar…
A torneira velha, pensada sem força,
Viu-se viço novo por causa da moça,
E da juventude pôs-se a se alembrar…
A água que brota dessa sua nascente,
Bebe dessa benção, dessa mão ardente
Que a tal torneira lhe pôs a girar….
Anos de secura, a água vai à forra,
Sai do nada, cresce, avoluma e jorra
Mas no fim, cansada, volta a rarear.
Aguardando atenta, a mão que envolve,
Vida velha e lenta (e santa?), que dissolve…
A velha torneira acordou do sonho
Veio-lhe o medo grande, um medo medonho
De a sua água-vida nunca mais bailar…
Constatação…
Quando criança eu nasci poeta, como todas as crianças. Fui me adultizando e fui perdendo o elástico da linguagem. Agora que as rugas dos meus passos se desenham no terreno do meu rosto e brincam de mãos dadas com os fios brancos dos meus descaminhos, começo a me sentir um fanfarrão das palavras. A velhice acriança a alma do adulto que se mete no meio da vida…
Entrega
Imensa coisa brilhante e bela,
Olhas-me e olho-te e penso nela.
Um brilho brilha tal qual sua luz,
A tez branquela que a mim seduz.
Subo, me elevo, quem me conduz?
Despem meu olhos, os deixam nus.
Flamejam raios, chamas de vela:
Já não sei mais se és tu, se é ela…
E o teu silêncio fala em mim,
À minha busca dita um fim.
Quero-te muito, quero-te nua!
Nem me perguntas, já digo sim.
Nem me chamastes, mas eu já vim
Para entregar-me a ti, ó Lua!
Soneto do dia seguinte
Hoje os pássaros não bateram asas
Nem cantaram sua mais bela melodia.
Nem se abriram as janelas das casas
As flores também não, em rebeldia.
Hoje os peixes se recusaram a nadar.
E os bebês decidiram não sorrir.
As marés se aquietaram no mar,
Só as lágrimas não pararam de vir…
Hoje a sineta ficou bem silente,
E, insistente, repetia à mente,
Que sentido (nenhum!) não fazia…
Junto a ela, com a voz embargada
Uma grande tristeza engasgada
Contemplava a carteira vazia…