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Escolas, ataques e sociedade doente

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Vivemos em uma época que clama por explicações fáceis. No entanto, a realidade é complexa e tudo que nela acontece tem gênese multifatorial. Por isso, tentar explicar de forma simples essa onda de ataques às escolas e seus alunos com uma relação causa-efeito automática é ceder à tentação da explicação fácil. Se não há explicação fácil, há coisas a dizer sobre isso, sim.

Para começo de conversa, atribuir esses ataques a questões de patologias mentais, individualizando o que é um sintoma social é um equívoco. Além de equivocado, ainda pode gerar como resultado um estigma para as pessoas psicóticas. Em um artigo publicado em 2021, intitulado “Psychotic symptoms in mass shootings v. mass murders not involving firearms: findings from the Columbia mass murder database”, pesquisadores da Universidade de Columbia, em Nova York, mostram que somente 5% dos tiroteios em massa estão relacionados com doenças mentais graves, como a esquizofrenia ou outro quadro psicótico. Pesquisas mostram que outros fatores contribuem muito mais para ataques em massa, tendo escolas e universidades como alvos preferenciais.

Um fator determinante é a prevalência social do exercício e da disseminação do discurso de ódio.  Não é segredo para qualquer pessoa que viveu os últimos anos no Brasil que toda uma teia de discurso de ódio – composta por xenofobia, LGBTfobia, misoginia, racismo, intolerância religiosa e ideológica – foi costurada pelo discurso fascista do bolsonarismo. Esse discurso de extrema-direita se institucionalizou e ganhou corpo e espaço na sociedade brasileira, sendo incentivado e tendo ganhado vida em ataques como os de janeiro em Brasília e como o assassinato do petista em sua festa de aniversário, só para citar dois exemplos entre os inúmeros que vimos. Não foram pessoas psicóticas que perpetraram a violência, mas pessoas normais motivadas ideologicamente e sustentadas no álibi do discurso então oficial.

As políticas governamentais compatíveis com esse discurso, como a liberação do acesso mais fácil às armas e o pouco caso com que grupos minorizados foram tratados, adensaram o discurso de ódio e fez do seu exercício algo mais fácil e concreto. Formulações como “faz arminha”, “vamos eliminar a petralhada”, além do descaso com a vida, com a ciência e com o conhecimento, como o visto à época da epidemia de COVID, sedimentam em parte da população uma banalização da morte e uma espécie de autorização com lastro no apoio coletivo, em um comportamento de manada já estudado por Le Bon, Freud, Reich e outros autores que buscaram explicar o fenômeno da horda primitiva.

Esse cenário é a base sobre a qual vão se agrupar outras questões que levam aos ataques às escolas. Com o discurso permissivo da violência muitas vezes sustentado por seus próprios pais, que negligenciam os efeitos danosos desse discurso, jovens se autorizam a normalizar aquilo que era contido pela barreira do laço social, laço esse que fica cada vez mais puído e se rompe facilmente. E os pais purgam convenientemente suas culpas para alívio pessoal em uma religião de retórica. Essa gasolina pode se encontrar ainda com a faísca do bullying, um problema gravíssimo nas escolas, levando o adolescente normal, mas em sofrimento psíquico, a quebrar os filtros sociais e entrar num delírio provisório, nomeado de foraclusão localizada pelo psicanalista argentino Juan-David Nasio. E aí acontece o que acontece.

Como se já não bastassem o discurso de ódio, a adoção familiar desse discurso, o acesso fácil às armas e o bullying escolar, ainda há um afrouxamento da presença de grupos extremistas nas redes digitais a acolher, interpelar, convocar e dar senso de pertencimento a esse jovem. Esses grupos espetacularizam a violência e buscam a visibilidade como troféu, utilizando a vulnerabilidade potencial do sujeito latente.

Não é pouco. E tudo isso ainda pode tomar proporções geométricas por uma abordagem não recomendável para os meios de comunicação quanto ao tratamento desses eventos como notícia. Algumas pessoas, como muitos assassinos em série e agressores, cometem seus crimes buscando fama e atenção. Desejam ser expostos na mídia e ter sua crueldade idolatrada por pessoas desequilibradas. A mídia enfrenta um dilema: por um lado, tem a obrigação jornalística de noticiar; por outro, não deve permitir que mentes doentias ou criminosos cruéis se aproveitem da publicidade em torno de seus atos. Os especialistas dizem que as identidades de pessoas envolvidas em tais atos não devem ser divulgadas. Afirmam que é preciso condenar um assassino desses ao anonimato. Mas parte da imprensa, ávida pelos likes da sociedade do espetáculo, acaba explorando essas tragédias hediondas para obter vantagem. Esquece-se da cautela ao produzir reportagens baseadas em eventos que envolvem vítimas inocentes e acabam incentivando agressores latentes a buscar visibilidade, reproduzindo os atos de violência em sequência.

Não, não é nada fácil. E é muito doloroso. Precisamos substituir a cultura do ódio pela cultura da paz. Necessitamos urgentemente de políticas que restrinjam cada vez mais o acesso às armas. É fundamental que as escolas lidem seriamente com o bullying escolar e não atribuam tais fatos apenas à negligência parental, se eximindo de suas responsabilidades. É para ontem a necessidade de reduzir a negligência parental. É dever do Estado investir na ampliação da rede pública de suporte à psicopatologia não-psicótica e na valorização da ciência e da cultura.  Essas políticas e essas mudanças, combinadas com outras, podem produzir resultados mais substanciais contra essa barbárie que antes era vista como algo do desarranjo cultural dos EUA. Mas, assustadoramente, essa barbárie já bate à nossa porta trazida pelo encolhimento do mundo pelo digital. E, mais assustador ainda, essa barbárie já arromba a porta da escola onde estão nossos filhos. Quanto tempo mais demoraremos a agir? Quantos silêncios entalados ainda ocuparão nossas gargantas?

É. Vou abraçar minhas meninas.

Inteligência Artificial e Educação

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A popularização de ferramentas de Inteligência Artificial (IA), como o ChatGPT (Chat Generative Pre-trained Transformer), vai requerer um movimento necessário no processo educacional.

O Chat-bot de IA, como ChatGPT, é um chat de inteligência artificial treinado e projetado para simular conversas entre humanos. O modelo de rede neural utiliza em seu treinamento e aprendizado um enorme banco de dados de textos. Por isso, aprende a gerar conteúdo, frases e parágrafos naturais e compreensíveis para os humanos, com respostas detalhadas. Se se escrever: “Escreva um artigo sobre a importância da água para a vida humana”, o GPT gerará um artigo sobre o assunto automaticamente, com detalhes.

“Como isso pode impactar o processo educacional?”

No processo metodológico, o GPT pode produzir respostas para conteúdos estudados, auxiliando o aluno no aprendizado sistemático de sala de aula. Teria, assim, função parecida com os vídeos do YouTube no reforço do aprendizado. Assim, é um recurso a mais para se trabalhar naquilo que temos chamado de sala de aula aumentada, o ambiente de aprendizagem que vai além do espaço físico e sistemático de aprendizado. Ponto positivo.

“Como o GPT pode impactar positivamente o processo de ensino-aprendizagem?”

1. Gerando conteúdo de alta qualidade: o GPT pode ser usado para gerar conteúdo educacional de alta qualidade, como artigos, resumos, perguntas de múltipla escolha e mesmo aulas inteiras. Isso pode ajudar os professores a economizar tempo e esforço, enquanto fornecem aos alunos conteúdo relevante e atualizado;

2. Melhorando a personalização da aprendizagem: o GPT pode ser usado para personalizar a aprendizagem de acordo com as necessidades e habilidades individuais dos alunos. Isso pode ajudar os alunos a progredir em seu próprio ritmo e aumentar a eficácia da aprendizagem;

3. Gerando feedback automático: o GPT pode ser usado para gerar feedback automático para os alunos, o que pode ajudar os professores a fornecer orientação rápida e precisa;

4. Ajudando alunos com dificuldades de leitura ou escrita: o GPT pode ajudar os alunos com dificuldades de leitura ou escrita, gerando textos simplificados, crítica à produção do aluno (ele corrige produz e corrige códigos de programação, por exemplo), ou traduções;

5. Aumentar a eficiência de ensino: O GPT pode ser usado para aumentar a eficiência do ensino. Por exemplo, automatizando tarefas de ensino como a correção de provas e a elaboração de relatórios.

“Mas e os impactos negativos? É uma ferramenta e como tal pode ser utilizada de forma ruim. Como o GPT pode impactar negativamente o processo ensino-aprendizagem?”

O GPT pode impactar negativamente o processo ensino-aprendizagem de várias maneiras:

1. Encorajando a cópia: o GPT é capaz de gerar textos muito semelhantes aos textos de humanos, o que pode levar a cópia de conteúdo sem compreensão, crítica ou reflexão;

2. Reduzindo a motivação para pesquisar: o GPT pode fornecer respostas rápidas e precisas, o que pode levar a uma diminuição na motivação dos alunos para pesquisar e aprender por conta própria;

3. Desencorajando a criatividade: o GPT é capaz de gerar conteúdo com muita rapidez e precisão, o que pode desencorajar os alunos a serem criativos e a pensar de forma independente;

4. Falta de pensamento crítico: o GPT pode fornecer respostas precisas, mas sem questionar a veracidade ou relevância do conteúdo, o que pode levar a falta de pensamento crítico dos alunos. Lembrando: são bancos de dados e dados são produzidos por humanos.

É importante lembrar que o GPT é uma ferramenta e como qualquer ferramenta agregada ao ensino é preciso que seja utilizada de forma consciente e orientada para que os alunos possam se beneficiar do potencial sua utilização de forma crítica.

“Mas o que nós, professores, podemos fazer agora, agorinha, enquanto a gente aprende o que é isso e como incorporar a ferramenta em nossos processos metodológicos? E como avaliar? E o plágio?”

O primeiro movimento para os educadores é conhecer o que é um chat-bot IA e cartografar seu uso potencial, positivo e negativo, para o processo ensino-aprendizagem. Não me parece inteligente negar que sua existência e seu potencial de afetar o processo de ensino-aprendizagem.

Penso que a primeira reação, em urto prazo, vai ser a alteração do processo avaliativo. Deverá haver uma volta para avaliações presenciais, como forma de garantir a autoria da produção do aluno. Produções em grupo e fora da sala de aula serão evitadas por redução drástica de controle de plágio. É um movimento reativo de controle. Se eu, professor, não posso controlar a produção de cópia de textos, ainda mais com sua potencialidade aumentada por uma ferramenta de IA, vou tentar reduzir os danos controlando o ambiente de produção do aluno…

Uma opção mais inteligente, mas mais trabalhosa, em médio prazo, é incorporar a avaliação da interação do aluno com o GPT no processo de produção. Fazer o aluno trazer o relato dos caminhos que percorreu para que o GPT produzisse, sob sua demanda, o texto. Meta-aprendizagem.

Há muita coisa a se pensar sobre isso. Há questões éticas, teórico-metodológicas, de política de acessibilidade digital, de formação de professores… enfim, um grande desdobramento para os pensadores da educação e para os sujeitos da sala de aula.

Isso aqui é só um pequeno texto provocativo. Mas o fato é que mais uma vez educadores são demandados pela vida real para que repensem suas práticas, tarefa, convenhamos, necessária e diária. A meu ver, isso deve ser feito sem demonizar as novidades, mas as deglutindo antropofagicamente.

É o desafio.

Para experimentar o ChatGPT: https://openai.com/blog/chatgpt/

Administração da pessoalidade

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Uma amiga pedagoga me disse, triste: “professor, acabaram com o Prosed”.  O Processo Seletivo de Escolha de Diretores – Prosed – foi o mecanismo criado pelo ex-prefeito Serafim Corrêa, a partir de nossa proposta quando estávamos na Secretaria de Educação, para eliminar a indicação política como critério de escolha de diretores de escolas. Isso foi em 2005. Sempre acreditamos que é preciso despoliticar a educação para politizá-la, o que passa por instituir a impessoalidade na administração.

Em 2007, o Governo Federal editou o Decreto 6.094 , criando o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação. São 28 metas a serem cumpridas por Estados e Municípios para que os índices da educação brasileira melhorem. A meta 18 diz: “fixar regras claras, considerados mérito e desempenho, para nomeação e exoneração de diretor de escola”. Antecipamo-nos em dois anos. A convite da Secretaria de Educação Básica do MEC, a proposta de Manaus foi por mim apresentada em reuniões de secretários de educação em Brasília como uma das experiências exitosas em gestão. Algumas cidades implementaram processos parecidos, como Recife, cuja equipe nos visitou para conhecer melhor o modelo.

Pois bem. A Prefeitura de Manaus acabou com o Prosed. Na contramão da história, revogou a escolha de diretores por mérito, com avaliação participativa da comunidade, e reintroduziu o apadrinhamento político para quem vai dirigir a educação. A secretária de educação justificou a mudança com o argumento de que ela “precisa confiar nos diretores”. Isso, ao bom entendedor, significa que a competência e o mérito acadêmico que levaram à posse dos atuais diretores são critérios menos confiáveis do que a indicação política. Diz mais: “Não se seguia a lista dos aprovados”. Posso assegurar, até o momento que lá estive, que esse critério era intocável por ordem expressa do ex-prefeito e do ex-secretário. Que o digam vereadores, que por várias vezes contrariei. A questão de fundo é que de novo se subjetiva o processo de escolha que antes era objetivo, por mais que a secretária faça jogos de retórica.

Para o sistema que volta, o prestígio do diretor indicado é a medida de sua “competência” e a fidelidade partidária o parâmetro de seu “compromisso”. Essa decisão retrógrada, que não surpreende pelo modelo político do prefeito, vem no conjunto de medidas como a recentralização de procedimentos que foram acertadamente descentralizados para a Secretaria de Educação para dar rapidez aos processos, como a criação da comissão de licitação e do setor de projetos de construção de escolas, que existiam na Semed e agora desaparecem. O material escolar vai entrar na fila de licitação geral da cidade, atrás das bolas do Fabrício Lima. Os projetos de novas escolas vão também para a fila da Secretaria de Obras, sem prioridade em relação aos boxes das feiras. No caminho inverso do administrador moderno, a Prefeitura está puxando para dentro em vez de delegar para fora.

Fato é que o anacronismo administrativo, político e paradigmático que se instalou na administração municipal está aparecendo. A sociedade organizada tem de estar atenta para as medidas desta administração que é, sem dúvida, uma administração da pessoalidade.